sábado, 4 de setembro de 2010

Vol. I - I - bl. 4 (2/2)

[...]


A mãe de Coppi inclinou-se sobre a Cordilheira de Tauros, que ao norte limitava o Reino de Selêuco, o rei da Babilônia, a mão de Heilmann deslizava de Alexandria, do trono de Ptolomeu, para cima sobre o Mar ao centro, para onde se tornaria a Residência dos Atálidas. Para isso foi determinada o aumento da guarnição para proteger o trabalho do Governador, e Filetero logo percebia as possibilidades que seu cargo lhe concedia, ele que não mais queria servir a Lisímaco, mas sim fazer-lhe litigiosa a posição de monopólio. Ele tomou de assalto a torre da fortaleza onde estava guardado o cofre com nove mil talentos, correspondente a quantia de trinta e dois milhões de Marcos-ouro [Goldmark], e concentrou-se a arriscar logo como um recurso, cercando em todas as áreas de fortes grupos de servidores para a proteção seus interesses. As suas chamadas pretensões, ele poderia perguntar, como quando seu arruinado chefe lembrava-lhe a realização de deveres mais convenientes. Dele [de Lisímaco] nenhum perigo ameaçava Filetero, mas sim seu concorrente meridional, Selêuco, com o qual ele [Filetero] aceitou uma Aliança, que permanecia sob o signo do respeito mútuo, enquanto se conseguia um equilíbrio das potências militares. Acordo de amizade seria chamado, e com esta terminologia de gerência de mercado, ele estabeleceu um domínio de proteção sobre as cidades litorâneas, que após expulsar os Persas o imperador Alexandre tinha resgatado antigos direitos de autonomia. O lema que o grande conquistador tinha divulgado, que ele seguia para a restauração da Democracia e que os gregos tinham prioridade diante de todas as outras raças, vieram à propósito da Polis [cidade-Estado da Grécia clássica]. Durante sua marcha de dez anos pelo interior da Ásia, rumo ao Indo [rio da Índia] onde fundava bases militares e consolidadas posições de colonização para taxar-proporcionalmente sobretudo favorecidos mercadores gregos, e depois se alteram os chavões alexandrinos [as promessas de Alexandre]. Ele precisava dar ao seu Império mundial, do qual ele se apoderou em sua ambição pelo poder e imoderação, uma unidade e daí renunciava à discriminação racial. Seu discurso era de reconciliação, de uma reunião entre Ocidente e Oriente, de uma comunidade e união, e delineava-se como isso, no entanto, não mais que uma insaciável necessidade de triunfantes e consistentes batalhas, até o esgotamento, para torturar até a morte os potentados inimigos, ou recolher prisioneiros, para serem utilizados enquanto escravos, enquanto reforços para as tropas, e as mulheres entregues aos oficiais e meritórios soldados. Diz-se que Alexandre devido a sua morte prematura não tinha chegado a compreensão e se humilhado, pois para ele atacar era uma extrema histeria, que irrompia regularmente em revoltas de tropas impacientes. Era o mesmo tom que então notamos no Cabo [Gefreiter, a patente militar de Adolf Hitler] que tentava ascender à categoria de dominador mundial, ainda não foi alcançado, ele convenceu os hesitantes, cansados novamente ao seu lado, quando fazia-lhes promessas. Tivesse a febre não o arrebatado aos trinta anos, então ele afundaria, após um singular tempo de comoção, junto a enorme e insustentável estrutura [de seu Império] a desintegrar-se em toda parte. Ele [Alexandre] legou confusão, escombros e inimizade. Com o expandir do espírito de negociatas, Filetero permitiu a posse de terras e o domínio comercial, cuja subvenção ele precisou de início, a atribuir privilégios, quando latifúndios deviam ser ampliados, os negócios recebiam livre acesso às mercadorias coloniais, por um momento os cidadãos podiam se conservar sem prejuízos, pois a cobrança de tributos e juros de arrendamento mantinha ao custo de pequenos agricultores, artesãos e trabalhadores. Para os habitantes das cidades litorâneas, que outrora seriam absorvidas numa liga militar espartana ou ateniense, a um rei da Lídia, algum Almirante macedônico, trácio ou rodense, parecia que o impulso econômico estava iminente ao tempo da fundação do Império de Pérgamo, e era no interesse deles, que lá fortaleza o Regente se cercava de brilho e honrarias, a fazer-se cada vez mais importante, e assim mais respeitado pelos impérios vizinhos. Ainda não se percebia que ele tomava mais e mais da influência das Polis [entende-se: o poderio da Monarquia diminuía o exercício da Democracia]. Em cidades cercadas por muralhas mantinha-se a divisão de classes entre os cidadãos, expedicionários, soldados, libertos, e escravos dependentes de particulares, públicos ou principescos, os cidadãos tinham direito de expressão no aparente regime democrático, exercido por Assembleias legislativas das câmaras de Representantes e dos Conselhos, os integrantes das magistraturas poderiam ser eleitos pelo povo. Mercenários de estranha procedência, que provavam lealdade ao exército, recebiam a cidadania, aos oficiais eram repartidas propriedades rurais, e aos soldados, que tinham se destacado em batalhas, pedaços de terra, realizava-se a transição da sociedade grega de cidades-Estado [Stadtstaaten] para uma Monarquia helênica absoluta com a instrução de uma ampla camada populacional de possuidores, que um interesse tinham em lucrar com seu cereal cultivado, seu gado e seus pomares. A partir disso, o prudente Filetero revelou uma consideração nacional, a convocar a prontidão da defesa armada do Estado. Ele estava sujeito não apenas à cobiça dos reis do sul e do oriente, mas também precisava das comitivas das cidades e do países no total para a defesa contra os povos celtas, que, em períodos de seca e de afluência de germânicos deixavam os seus locais de morada na Gália, e refugiados seguiam o Danúbio através da Trácia e se derramavam no estreito marítimo até as regiões costeiras dos jônicos. A Dinastia dos Atálidas estabelecia-se, após Átalo, assim chamado por seu pai, que serviu à Alexandre no posto de general, pediu a Filetero uma salvaguarda dos Deuses e uma aliança com os Mitos, e se juntou aos soldados convocados em grande quantidade, para maior validade. Tal qual Alexandre outrora alegou ser um descendente de Hércules, assim ele dizia descender em linha direta de Télefo, o filho de Hércules, que, depois que sua mãe Auge morrera num naufrágio, tinha ele encontrado um abrigo na fortaleza de Pérgamo. Seria contar uma história de cinquenta anos durante os quais Filetero e seu irmão Eumenes lutaram contra os gauleses, até o seu sucessor livrar o país dos inimigos, e chegar a nomear-se Rei Átalo I, disse Heilmann, numa tentativa igual a de tentar explicar a confusão de um pesadelo. Ele queria, ao continuar, ainda nos motivos dessa fantasmagoria, a pesquisar suas fontes, que naturalmente permitiam nas mesmas relações ordenar os eventos, que causaria perplexidade aos nossos sucessores daqui a dois mil anos, o que acontecera conosco no último meio século. Os gauleses eram bebedores de cerveja, os helênicos tinham mais a ver com vinho, disse ele, daí antes de tudo a diferença básica, com a qual a população do país reconhecia os novos invasores, com suas tradições de guerra, com suas cornetas-de-chifres, eles vieram com suas famílias em colunas de carroças, eram quase mais brutais que os mercenários de outrora, que roubando e saqueando passaram pela região. Eles procuravam por regiões onde se estabelecer e onde pudessem cultivar o lúpulo, e assim como os abrigos deles haviam sido atacados, eles perseguiam outros em suas moradas. Não se aproximaram das cidades fortificadas, pois contentaram-se em cortar suas vias de acesso e exigir pedágio dos moradores, o que em caso de emergência era até legítimo, e além disso, correspondia a uma providência comum nestas épocas despóticas. Assim assediar os ricos centros de comércio, oferecendo proteção, recebendo pagamento em mercadorias, aqui e ali atacando os celeiros, ocupando os portos, ao expandir suas tribos no noroeste da Ásia Menor, enquanto se dirigiam às altas terras centrais, onde eles receberam um estado-livre meio aos frígios e capadócios, lá estavam os homens prontos para servirem no exército do rei da Bitínia e Ponto. Fossem na infantaria ou na cavalaria eles poderiam vender sua força de trabalho como a melhor de todas, e quando do noroeste, nos regimentos de Nikomedes e Mitrídates, marchavam de volta para o território de Pérgamo, onde nos exércitos dos Atálidas haviam outros seus parentes reunidos, que avançaram contra as clãs gaulesas no norte do país. Assim gauleses combateram contra gauleses, assim avançaram macedônios e trácios, persas e sírios uns contra os outros, e em todas as tropas reunidas encontravam-se mercenários vindos de Creta, Rodes e Chipre, e grupos de soldados dispersos de nômades da Mísia [na Anatólia / Ásia Menor], com seus chefes tribais, seus próprios deuses e cultos, e vindos das guerras de Alexandre o remanescente povo círtio [Cyrtier, eng. Cyrtians, povo medo-persa, possível antepassado dos curdos] vindo do distante Eufrates. Nestes conflitos foram recrutados os jovens do país, por uma dracma por dia, para mantimentos e bebidas, para dispensa de impostos e a garantia de que eles poderiam guardar o saque de guerra, e que o soldo caberia à família no caso da morte deles. Aos soldados concederam nenhuma pátria. Lá podiam discursar os promotores e oficiais, em suas funções sacras, que os soldados raramente sabiam os nomes dos senhores, sob cujos estandartes eles se uniam em combates. Enquanto soldados diaristas eles seguiram em marcha adiante, para alcançar a terra dos reis, os recursos minerais e as matérias-primas, e o mais importante meio-de-produção, os escravos. Eles, os trabalhadores, atacavam uns aos outros, para afundarem uns aos outros ainda mais na servidão, e assim eles estavam muitas vezes nas amargas empresas comerciais, nas quais também interferiram, aproveitando a posição dos selêucidas e dos ptolomaicos ao sul, no acampamento dos adversários. Para desviar dos verdadeiros objetivos dos ataques, os propagandistas de Pérgamo permitiram mais uma vez a gritaria solta sobre raças inferiores e selvagens, sobre os Bárbaros, que deviam ser eliminados, e o restante da propagada ilusão de Alexandre sobre uma convivência pacífica entre os povos foi abaixo nas praças do mercado, nos relatos sobre as depredações, pilhagens, profanações e saques incendiários dos estrangeiros. Atordoados pelo quadro de terror dos invasores, em pânico ampliado pela ameaça de serem jogados todos na escravidão, se eles não levassem seus sacrifícios para a vitória de Pérgamo, os cidadãos deram suas últimas reservas, os latifundiários, seus gados e suas colheitas. Há algum tempo definidos na administração os funcionários da Corte, os representantes não eram mais livremente eleitos, mas sim nomeados ao Conselho do príncipe, e os trabalhadores sabiam que não podiam compensar as perdas que seus senhores sofreram devido ao aumento dos tributos, e quem em breve se iniciava, meios as riquezas artísticas da culminante fase da alta Cultura, uma volta à antiga divisão de classe disposta numa flagrante segregação regredida numa pequena camada de privilegiados e numa massa amorfa, onde os cidadãos sem-poder, os comerciantes empobrecidos, e artesãos e escravos de todas as procedências se ajuntavam sempre mais uns aos outros numa toda abrangente pauperização. Outra coisa além de um sobrepor-se de golpes de uma constante e incitante brutalidade, disse Heilmann, indo e vindo diante da porta encoberta, ele não poderia imaginar no completar-se do absolutismo do reino de Pérgamo. Quantos de seus cem mil habitantes perderam a vida, os historiadores não informaram, porém eles mencionam, após a vitória na fonte de Kaikos, o número de quarenta mil prisioneiros gauleses, o que deixa inferir o múltiplo dos exterminados e dos refugiados nas montanhas orientais. No silêncio, entre as espessas paredes ao redor, nós escutávamos por algum momento, pois assim se ouvia o chocalhar de armaduras e armas, o abafado destacar-se, o estalar dos ferros penetrando na carne, e então, durante alguns segundos, bradaram as lutas próximas na cozinha, os elmos e as espadas reluziram sob a lâmpada, lá deixadas mortas as mulheres e as crianças dos guerreiros gauleses. A pacificação do reino, porém, disse Heilmann, foi, como esperada, apenas aparente, pois o acúmulo de escravos estrangeiros, a crescente exploração do povo devia criar desordem. Apoiado pelas famílias feudais, que já gerenciavam postos de comércio, por uma casta de oficiais e uma administração corrupta, Átalo, o Libertador, consolidou seu regime militar e preparou a política prática que permitiu a seu filho, Eumenes II, fazer Pérgamo ser famosa no mundo. Ele estabeleceu alianças com as quais ele poderia defender-se dos adversários meridionais, que após duas gerações, contudo, levaria sua linhagem ao fim. Em vez de envolver-se em hostilidades com os Romanos, que então avançavam rumo à hegemonia no Mar Mediterrâneo, pelos quais ele seria derrotado, ele ofereceu-lhes relações comerciais, permitiu-lhes o estabelecimento de feitorias, iniciou uma troca cultural e apoiou-os nas suas guerras de conquista na Macedônia, enquanto estes Pérgamo ajudava a derrotar Antíoco da Síria e Farnaque de Ponto. Sem o pacto com Roma não haveria o Templo de Zeus com os seus frisos, com notável estilo inovador, em liga contínua, até os muros externos. Durante quarenta anos, na assegurada paz através de conferências, através de ativo jogo diplomático, dedicaram-se ao intelecto nas duas últimas décadas do completo isolamento, a criarem com supremo esforço, a síntese do senso artístico de todo um século. Dependentes de Eumenes, que se nomeou o Benfeitor, e que de sua parte precisou das graças do Senado Romano, para deter os potenciais agressores, enquanto seu reino, que se estendia do Helesponto até Taurus, oferecia aos romanos uma proteção contra os agressivos Regentes asiáticos, negociando em missões que em seu exercício do poder deviam limitar a expansão das obras de Arte a um pequeno círculo de privilégios, amplamente cercados de sujeição, desordem e debilidade, enquanto os escultores executavam uma obra, que desafiava todas as modernas [daquela época] condições com qualidades peculiares. Não que se negasse suas realizações, claramente para elas apontavam, a quem valia enaltecer e a quem humilhar, porém nós lembramos agora que as pedras trabalhadas, assim com as feições rígidas e frias dos deuses, em aparências irreais em suas dimensões de distanciamento, enquanto vitimadas, apesar de todas as deformidades continuaram humanas, marcadas por angústias e sofrimentos. Porém permaneceram os mestres por sua vez, perguntou Coppi, abertos para a revolta, que nos Estados [Polis, cidade-Estado] ferviam, ou assumiam a luta de antagonismo, a separação, o rebelar-se enquanto incentivo para as esculpidas formas, movimentos, contrastes. Eles deviam saber de Aristonikos, o filho de Eumenes e uma concubina nascida em Éfeso, filha de um tocador de harpa, deste excluído da sucessão [ao trono], que se aproximava do povo e experimentava a situação emergencial, disse Heilmann. Eles deviam conhecer os preparativos, que Aristonikos acertava, para agir junto aos camponeses sem terra, os soldados descontentes, os escravos contra a soberania dos enganadores e ladrões e então fundar um Estado justo. Um revoltar-se que não foi novidade, nas colônias helênicas os escravos se rebelavam, em Kassandra os pobres tinham antes se revoltado, e em Esparta logo voltariam atrás os patriarcas macedônicos com a rebelião de Agis e Kleomenes. O declínio, ao qual se resignava a supremacia de Pérgamos, agora se processava, enquanto o poderio deles vivia a última ascensão. Na polarização social não venceram as forças que desejavam provocar um avanço social, mas ao contrário o conservadorismo seguido de autodestruição. Desde muito tempo estavam prontas as coortes romanas ['coortes' eram subdivisiões da 'legião'; cada 'coorte' reunia cerca de 500 soldados], a esperar de seus núncios as ordens para marchar, porém antes que se desse um momento oportuno para o ataque, eles receberam um chamado de Átalo III, filho de Eumenes, legítimo sucessor do trono, último da linhagem dos Átalidas, para atuar no país contra seu meio-irmão, pois ele [Átalo] preferia entregar a eles [os romanos] o reino do que ficar sob uma soberania popular. Os generais romanos tinham enquanto isso, em Corinto e Cartago demonstrado o que eles entendiam por Império [ou domínio imperial] e com um olhar sobre os amplos planos eles chamaram de Ásia aquela aquisição helênica. Após a transferência de forças armadas, a instalação de prefeituras e tributos sobre renda, após a trituração de exércitos invasores vindos do leste e do sul e o posicionamento de redes de fortificações através de Sulla, de onde veio Antonio e mandou vir da Biblioteca de Pérgamo o saber enrolado em pergaminho a ser carregado para Alexandria, como presente de casamento para Cleópatra, sua Ísis, sua Rainha dos Reis, e a estátua dele, como Deus e Benfeitor, assim como os monumentos e colunas de Trajano e Adriano se destacaram logo meio às relíquias de esquecidas majestades e divindades. Novos templos, para o culto de Roma e de seu César, surgiram a partir dos alicerces dos palácios dos Atálidas, e prédios colossais, arenas, termas para terapia de saúde, cercadas de montanhas, e lá acima os banhos de lama de Caracalla, próximos às apresentações teatrais, aos espetáculos musicais e de dança, aos concursos artísticos e discursos eruditos, se apresentam classes e nomes, e abaixo, sob os canos de esgoto das vielas, nos estaleiros trabalhando sob alta pressão, em ferrarias e manufaturas, os plebeus tombavam sob o chicote e por exaustão. Contudo, o poder romano, com seus rápidos golpes baixos, seus passos furiosos, seus agiotas, seu bem organizado militarismo, não era contra o sistema mantido por Bizâncio [o Império Bizantino, ou Romano do Oriente; também o termo 'bizantinismo' expressa a política autocrática ou retórica, complexa e instável]. Sob os Romanos houveram pelo menos tentativas de reforma, ao manter-se o interesse pela educação, ao incentivarem professores, médicos, cientistas, no Império Bizantino, porém, revelaram-se as últimas forças a serem celebradas com imensa pompa vazia, e sobre os oprimidos se empilhou a hierarquia da nobreza espiritual e secular, cercada de aduladores e bajuladores, impalpável na furtiva dignidade deles, incomum para o crime deles. As grandes mãos ossudas sobre o joelho, as pernas, com inchadas veias azuladas, uma junto a outra na bacia mantidas, disse a mãe de Coppi, que ela se perguntava, se não sob o fardo do tormento, com o que o competir das obras-de-arte foram pagas, eis o que para todas as épocas se devia conceder algo de repulsivo. Ela entenderia também os queimadores de cal, que os fornos deles instalaram próximos aos sedimentos de antigos santuários. As ruínas de capitel, cornijas e estátuas foram para eles apenas uma pedreira de mármore, e se vez ou outra ele viam uma face, um corpo, um animal nos blocos quebrados, eles não haviam de se incomodar, a pensarem que, sobretudo, no cal ficaram presas. O mesmo quanto aos muros onde foram ajustados os blocos de pedra lavrada para construções, pois foram usadas pelos queimadores de cal como matéria-prima para a produção de argamassa comercializada. Desde séculos era a cal fabricada a partir da fartura dos destroços de mármore, e todo um trabalho manual, a incluir o transporte em modestas carroças para as aldeias nos arredores, que a chegada de um engenheiro instruído em arqueologia veio interromper. A mãe de Coppi queria saber, se então os queimadores de cal foram indenizados depois que Humann [Carl H., 1839-1896, engenheiro alemão], que construiu em pedido do governo turco uma estrada através da Ásia Menor ocidental, e descobriu durante uma excursão nas terras altas as antigas ruínas, e expulsou os trabalhadores do local da descoberta. Eles deviam, disse Heilmann, por ordem do Grão-Visir Fuad Paxá [do Império Otomano], seguir, com seus equipamentos, para o leste, nas montanhas, das quais eles, como foi dito, procediam e que outrora pertencera a uma região de nome Galácia colonizada pelos refugiados celtas. Outra vez executou-se a remoção dos barbudos preformados, que aos Gigantes tinham dado aparência. Eles, os vivos, perderam-se na estepe, deserto e pedregulhos, de modo que a pedra pudesse despertar. Em setembro de mil oitocentos e setenta e um, numa manhã clara, após uma noite brumosa entre ciprestes e amoreiras, Humann esfregou a areia do cabelo enrugado, das órbitas dos olhos, da sofrida boca aberta do filho de Ge [Gaia], que na terra árida ficou enterrado. Ele passou longo tempo com preparações e pequenas escavações, antes que ele em junho de setenta e oito pudesse começar com o trabalho propriamente dito. Quem patrocinou o empreendimento, perguntou a mãe de Coppi, e quanto custou. No primeiro período, calculado em vinte e cinco dias, disse Heilmann, o Humann manteve vinte trabalhadores, a maioria búlgaros, no encargo. O salário deles por este período chegou ao total de oitocentos marcos. O capataz recebeu cem marcos. Quinhentos marcos foram estimados para ferramentas e equipamentos técnicos. Os honorários de Humann chegaram a mil marcos. Com os custos de viagem e outras despesas chegaram os gastos a três mil marcos. O dinheiro veio, depois que Sua Alteza real e imperial Frederico Guilherme [Friedrich Wilhelm, Frederico III, 1831-1888], o príncipe-herdeiro [Konprinz], ter se interessado pelo propósito, veio das reservas financeiras da realeza. Após a vitória sobre a França, a coroação do rei prussiano à Imperador [Kaiser] e a fundação do Império Alemão [Deutschen Reich] e após, em Paris, ter sido esmagada ameaça ao Capital(ismo), a Comuna [governo popular de resistência contra os franceses derrotistas e os alemães invasores; resistiu durante quarenta dias, quando os communards foram massacrados], manteve-se a época da expansão industrial, o controle sobre o continente, e a capital, a sede da Corte, exigiu para os tesouros, o que poderia se destacar de forma artística ao monarca e senhores-coloniais. Assim, não se interromperam as escavações no monte de Pérgamo, continuaram mesmo com a guerra entre Turquia e Rússia. De início seriam entregues um terço das obras de arte ao descobridor e dois terços ao estado turco; em sua condição de dependência porém o governo do Grão-Visir [Großwesirat] disse em Constantinopla que dois terços seriam para o governo do Kaiser, e depois desistiu também do último terço, mediante uma remuneração de vinte mil marcos e o pagamento de uma contribuição de igual soma para a necessitada população do país. Ao término da revelação da cidade alta [Burgberg] e do translado de mais de mil caixas cheias de placas de frisos, colunas e esculturas para o museu construído por Schinkel [Karl Friedrich S., arquiteto prussiano, 1781-1841], no ano de oitenta e seis [1886], foram entregues para o mármore de Pérgamo trezentos mil marcos vindos das reservas financeiras e do orçamento estatal para a Cultura [Kulturbudget], até uma quantia reduzida em comparação com a aquisição de outra Arte e em proporção ao valor recuperado. E porém, pode ser ao que, e é até cruel, nunca ser incluída a beleza, disse a mãe de Coppi, e então do poço do pátio subiram gritos, chamados, janelas foram golpeadas, portas batidas, o zelador tinha descoberto um brilho de luz, devido ao ordenado escurecimento por exercício de proteção contra ataques aéreos [Luftschutzübung], e fez-se na escadaria um tumulto, e nós nos sentamos todos quietos, a ouvir como, de repente, uma raiva sufocada, um desgosto acumulado, uma fúria reprimida explodia, a irromper em clamor e vozerio e do mesmo modo rapidamente ser censurada. Alguém seguiu furtivamente lá fora sob os degraus, Febe, a toda brilhante radiante, a mirar com a tocha ardente diante das faces dos recuados Gigantes alados, e Asteria, sua filha, a luminosa divindade estelar, agarrou pelos cabelos o adversário, golpeado e mordido na perna por um cão de caça, e empurrou-o, ele que não podia impedi-la, com a mão derrotada em seu braço, que ela enfiasse uma espada através da clavícula até ao peito dele. Assim, ela uniu-se a todos, os Divinos, em gestos de supremacia, Leto a golpear tal um lança-chamas sobre os derrotados, enquanto mantinha os pés no firme quadril de Tício de boca gritante, e ela superou-se em glória enquanto mãe de Artemis e de Apolo, enquanto o Selvagem, o rebelde haveria de expiar para sempre nos Infernos, devorado por abutres. Afrodite, deusa do Amor e da Beleza, forçou suas ricas adornadas sandálias sobre a testa de Chtonios, deitado sobre um monte de mortos, para arrancar, com toda força, a lança do corpo dele, o decaído demônio que logo apodreceria, a tornar-se nutrição para as plantas da floresta, porém, à nascida da espuma [Afrodite], foram previstas inumeráveis vitórias e inesgotável veneração, por escolha das Moiras, que fiam a linha da vida, e repartem o destino das vidas e podem deter a extensão [do fio da vida], a fulminar vítimas, enquanto a lisura das faces delas mantinha impassível sobre a tormenta da guerra, carência e terror, que as caçadoras provocavam, a deixarem para trás os cadáveres, e Hécate, a auxiliadora, provida de três pares de braços, três cabeças, apontou, protegida por um grande escudo, bastão de fogo, lança e espada, para o gigante grandalhão, cuja mão agarrava um bloco de pedra como se fosse um míssil, e cuja feição do rosto previa a inescapável condição de derrota. Com pedras apenas, disse a mãe de Coppi, poderiam eles se defender contra os blindados e aqueles pesadamente armados, eles que se ajoelhavam, se arrastavam, se partiam, caídos no dilacerado calçamento das ruas, expostos aos canhões de água, bombas de gás e metralhadoras. Eles viam a luta em nossa cidade ocupada, nosso país dominado, e ajudou em nada, que Ge [Gaia] para implorar compaixão para seu filho Alcioneu, pois ele estava no poder de Atena, que a ele a mordida mortal da serpente em seu peito não foi suficiente, para ela que desejava a completa destruição dele. Os desarmados foram condenados ao extermínio, a se arrastarem juntos atrás das barricadas, e condenados pelos Escolhidos, que ostentavam nomes impressionantes que se propagavam por toda parte, e considerados imbatíveis, a constituírem uma suprema ordem mundial. Ela [a mãe de Coppi] observou, após ter esvaziado a tijela, ao inclinar-se sentando-se na cadeira, com a toalha de mão sobre as pernas, em contraponto às nossas irreais, sombrias projeções, em nossas descrições em todo lugar apenas o triunfo do torturador distinguindo-se sobre o tumulto dos desprovidos de poder. E, após longo silêncio, disse Heilmann que obras como aquelas, que vinham de Pérgamo, sempre deviam ficar expostas, até uma reversão finalmente vencer e os terrestres despertarem das trevas e da escuridão e mostrarem-se em aparência autêntica.
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[pausa]

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LdeM
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