domingo, 15 de maio de 2011

Volume I - bloco 7 (2/2)









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Coppi achou este olhar frio, incomunicável, o caráter definitivo do descrito parecia-lhe fatídico. Os maiorais [a Elite] mantinham-se cercados por armas, por estandartes, protegidos por uma abóbada celeste, e separados, sempre em gestos de mútua destruição, estavam os soldados. Nem as pernas dispersas do cavalo, nem o machado que balançava, ao lançamento de um dardo, tiravam a oportunidade de um movimento contínuo, uma mudança de lugar. Nas atitudes equilibradas não se pensava qualquer queda ou arremesso contrário, nem qualquer volta ou giro, mudança ou revolução. Nada havia de diverso desta peculiaridade destes concentrados segundos que se observava, tudo o mais era excluído em favor dos aspectos visuais de um entrelaçamento de artesanato de cestos [Flechtwerk], mantendo-se fora das linhas de espadas e lanças, das rédeas e das barras de estandartes, as curvas dos escudos, dos elmos e coxas de cavalos, das colunas e pilares das pernas, da gradação dos braços, mãos e faces, dos pontos de vista dos olhos sob escuras sobrancelhas. Daí veio a estranheza, a excentricidade da pintura, que esta, apesar de seu conteúdo figurativo, queria imitar nada da Natureza. Possuía sua luz peculiar, e o acontecimento nela [na pintura] era uma harmonia de colorações. Uma tal declaração seria especulativa, disse Coppi, e não desenvolvia o nosso assunto. O que então foi combatido nada tinha a ver com a nossa luta. Porém as objeções serviam, aquelas que apresentávamos, com frequência apenas quanto a isso, para aguçar nosso julgamento. Por que, nos perguntávamos, nós nos interessávamos por esta pintura que na escolha de seus agrupamentos baseava-se em divisões de classes. Porque precisávamos do conhecimento de tais obras, que considerávamos em seu integridade. Precisávamos destes singulares produtos sofisticados da Arte, da Literatura, para ser um complemento para o nosso lado, sem qualquer monumento, e conhecido pela pobreza e pela miséria. Juntamente podia emergir alguma hostilidade. Porém sempre de novo predominava o impulso que, ao tratar com o hostil, indiferente queria opor-se a nós, como se além disso apenas para dar-nos tema de estudos. Assim igual as sombras, que no jogo variado dava aos corpos ar e vivacidade, eram banidos, assim era apesar da confusão de pernas, nenhuma marca de patas ou cascos visível em todo aquele chão. De forma estatuária destacavam-se os corpos em tumulto, envoltos com malha de escamas, couraças-de-ombro e escudos, porém ninguém possuía realmente alguma consistência, realmente peso. As faces dos guerreiros olhavam fixamente, sob os gigantescos elmos, imóveis e apáticos, para além do cruzar de armas. Às vezes minha memória projetava um detalhe da pintura nas caldeiras, cilindros e êmbolos das centrífugas, com as quais eu trabalhava. Na maioria das vezes, as faces eram insensíveis, porém cheias de expressividade, sérias, silentes, meio ao confronto, que eu via diante de mim, três delas com tons de branco e profundo verde destacadas, estavam entre ornamentos de armaduras, espadas e lanças junto-acotoveladas, a primeira oblíqua e frontal, emoldurada por uma barba com manchas brancas, a segunda em perfil, com abobadado nariz em forma de bico, com um lábio inferior avançado, a terceira atrás destas, os dentes brilhando na boca aberta, a bochecha fendida por um golpe, transbordando de sangue, e no apoio mútuo, porém, mantinham-se cada um por si, com o mesmo olhar meditativo. Intercalada entre uma cortante e avançada viseira fechada, de um trombone, de uma clava, uma cabeça de cavalo olha uma outra com extrema atenção ao encontro de quem observa, e assim muito ele havia recorrido a este procurar, que ele não percebia, o que lhe fora infligido, pois atrás dele avolumava-se um punho ao redor do nó do punhal, cuja ponta perfurava-lhe a garganta. O drama, elemento neste período da história da verdadeira cruz, acontecia assim ao mesmo nível a um segundo trecho, porém aqui não confinado, oculto, mas ao contrário bem evidente, quase como se apresentado à instrução. Justo agora um braço estendido cuja mão azulada agarrava leve e frouxamente ao artístico cabo cinzelado e golpeava o longo e fino fio de corte fundo na vertical garganta para-trás-encurvada do adversário. Este voltava seu perfil com o queixo para cima, seu crânio ficava na casca do elmo pintado com um padrão floral, e a face do seccionado acima dele pressionava a mesma cuidadosa e prática reflexão que devia ter guiado o pintor na criação de sua pintura. E já víamos também, como nas obras, que eram dedicadas aos preferidos e escolhidos, as faces dos soldados, dos servos se faziam valer, como eles se destacavam, mas convincentes, mais fortes e mais experientes do que seus próprios senhores. Nas obras de Mantegna e Masaccio, Grien, Grünewald e Dürer, nas obras de Bosch, Brueghel e Goya os trabalhadores já entravam em primeiro plano. Os pastores e os pescadores, que tinha se conformado a suas funções decorativas, perderem de súbito, nas pinturas de Poussin, a simplicidade e brandura deles e carregarem sofrimentos, como se eles estivessem descritos em tragédias clássicas. Um ferreiro, um marceneiro seriam em La Tour com seus trabalhos assim destacados, que eles ocupavam sozinhos nas molduras, sem mandante e comprador. Vermeer, Chardin conservavam maturidade, beleza não para os mestres, mas para as costureiras, as lavadeiras, as empregadas domésticas. Fossem as ordens determinadas historicamente, as condições de uma determinada época uma vez reveladas, assim nos defrontaria uma duradoura imagem da realidade, e isso se deixaria distinguir, em que grau o artista preparava o desenvolvimento futuro e qual atitude ele tinha adotado diante da opressão suportada século após século. Em muitas obras, indiferentes, se Príncipes, Prelados ou Mecenas especulativos tivesse sido apresentados nelas, pois elas possuíam a permanência de um peculiar sentido de verdade, na superação de preconceitos e limites, desde então incluído o elemento da perda de classes. A renovação social, a aceitação de descobertas e conquistas das mãos dos dominantes, a produção do poder em particular, a fundação do nosso pensamento científico, estes eram temas que nós podíamos nos apresentar na Arte, na Literatura. Porém em vistas das possibilidades inumeráveis da expressão, que tínhamos conhecido, e as diversas capacidades de recepção, reações e retoques em que ponderávamos, chegávamos à convicção que se desenvolveria entre os intelectuais socialistas uma nova Arte e que o caminho daqueles de igual disposição de suas tendências certamente despachariam todas as diretivas programáticas. Também foram suficientes as aberrações e tentativas fracassadas, quando elas permaneciam ao lado da Revolução, e cada um deveria selecionar a partir das possibilidades disponíveis do antigo e do novo, o que corresponderia aos seus próprios pensamentos. Nós, que nos informávamos a partir de uma iniciativa peculiar sobre os eventos da atualidade, que extraíamos daí as nossas conclusões e tínhamos escolhido nossa filiação política, também exigida pelo Partido, ao qual pertencíamos ou nos aproximávamos, que merecia a escolha, aí encontrávamos a área cultural. O fato de que nós jovens trabalhadores, como também nossos pais e mães, que crescêramos sob os tempos de guerras e carestia, geralmente nos envolvíamos com Arte e Literatura, e que assim de pronto eram as próprias descobertas, que podíamos contra por às condições sufocantes de vida, expressava assim a nossa cultura futura que chegaria a partir de nós mesmos e que nós por isso antes de tudo precisávamos da confiança em nossas capacidades. Tudo isso era um esboçar. Agora, neste último dia na cozinha de Coppi, eu via a dimensão do que se iniciara, o que fora reunido por nós, por isso se passara a hora breve, preenchida livros e lugares, quadros e oficinas, museus e realidades políticas, antes do início do exercício de proteção aérea. Os anos que eu tinha passado neste país [Alemanha] tornavam-se notadamente compactos, eu me encontrava numa reviravolta, numa transição para um novo período de vida. Porém isto era então a correta definição, nós perguntávamos, quando falávamos sobre a minha vindoura viagem, a mudança de residência possuía ainda uma importância quanto às tarefas diante das quais nos posicionávamos, que eram as mesmas em todo parte e nos mantinham unidos. Após as cenas de batalhas em Arezzo, disse Coppi, ao saudar recapitulando o nosso período Francesca, e entregava-me uma das figuras dos inícios de nossa atividade artística subversiva. Tratava-se de uma série de cartões de comandantes do exército desde a Guerra Mundial [de 1914-18] e os grandes do Partido fascista [do NSDAP, os nacional-socialistas, a.k.a. nazistas], que ele tinha transformado em caricaturas ofensivas. Elas seriam preenchidas com palavras-de-ordem, nas quais de modo grosseiro lembram os conhecidos, que eles [os fascistas] eram, falsários de diplomas, ladrões da cultura popular, racistas, assassinos em massa, e para ficar mais completa a explicação sobre as intenções deles, eles seguravam um punhal, um machado, uma pistola. A partir destas caricaturas, que ele fixava em quadros-de-aviso do trem subterrâneo [metrô] e em tabela de horários de ônibus ou tinha colado em colunas para cartazes, sobre placas para grandes comícios, mais tarde originariam os panfletos copiados por ele mesmo, graças aos quais, quando os distribuía diante de uma fábrica, ele seria preso. Porém Heilmann tirou de mim a figura. Sempre ainda, ele disse, vocês subestimam o aparato de poder do adversário. Ele se ofereceu para guardar os desenhos de Coppi, como também os escritos escondidos junto ao fogão, no porão da casa de seus pais, onde não seriam descobertos, e sugeria, por precaução, além disso, no brasão da porta, pendurar uma foto do Führer, o que devia impressionar a qualquer um que entrasse, de um modo diverso.








[pausa]





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mais sobre Dante, Inferno
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divina_Comédia
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Pietro della Francesca
http://pt.wikipedia.org/wiki/Piero_della_Francesca
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/
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mais sobre os artistas
Mantegna, Masaccio, Grien, Grünewald, Dürer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Andrea_Mantegna
http://pt.wikipedia.org/wiki/Masaccio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Baldung
http://pt.wikipedia.org/wiki/Matthias_Grünewald
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dürer
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mais sobre Bosch, Brueghel, Goya, Poussin,
La Tour, Vermeer, Chardin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hieronymus_Bosch
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pieter_Brueghel_o_velho
http://pt.wikipedia.org/wiki/Goya
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolas_Poussin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Georges_de_La_Tour
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vermeer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Baptiste-Siméon_Chardin


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em breve o bloco 8 ...........

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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Volume I - bloco 7 (1/2)






bloco 7










A Divina Comédia era tão inquietante, rebelde, e também com forma e tema aparentemente bem diverso quanto o Ulisses [de James Joyce], o qual tínhamos conhecido primeiramente em fragmentos, como se fosse jogo-de-palavras, hieróglifos. O que acontecia então aqui, nos perguntávamos desde o verão deste ano [1937], com o modo de imaginarmos algo como uma cúpula invertida, afundada para dentro da Terra, com seus círculos, cada vez mais fundos, e que devia exigir a duração de uma vida, enquanto ela seguia a fase até a chamada ascensão, que se fazia em espirais, até o alto, que estava além do representável. Nós ainda não tínhamos prosseguido desde a Francesca de Rimini e Paolo Malatesta [o Segundo Círculo, o dos luxuriosos], e já tínhamos passado muito tempo com a reinterpretação da tradução de Gmelin, na Biblioteca Universal Reclams, e a de Borchardt, na edição de livro de bolso da Editora Cottaschen, comparando as três fileiras com os terceiros italianos, que Heilmann, baseando-se em seus conhecimentos de latim e francês, lia para nós. Em certo modo algo contrastante das impressões linguísticas, das metáforas esmeradas, do ritmo perdido e da sequência de sons avançava nos íntimos contextos de um fervor nunca declinante que notávamos quando em nós mesmos despertava as experiências, das quais antes nem sabíamos, mas estavam preparadas, a atingirem o efeito através da Poesia. Da leitura nada queríamos de místico ou irracional, o que nos aborrecia, mas decompor cada lembrança em seus componentes, em discussões sobre a floresta na qual seguíamos ao lado do andarilho, durante semanas, e depois voltávamos depois com frequência, com consciência, para entender alguns motivos/temas nestas cantigas. Ao mesmo tempo era um movimento de tatear às cegas, no mundo da percepção em lugar não retornável, cuja porta de entrada e átrio seriam descritos de modo concreto assim como o bosque com seus animais, suas peculiaridades topográficas, sua luz lenta vertendo adiante, permitia a descrição de ampla aventura. Desde as primeiras linhas formava-se a impressão, que se aqui descrito, realmente não se deixava expressar com palavras e imagens, e quando se ajuntava o impossível então, de linha a linha, de trecho a trecho, em modo simétrico, com sucessivos números de margem de reforçada estrutura, a uma estável, harmônica, pensada unidade não mais diferente, seria o triunfo da faculdade de imaginação elucidada sobre o caótico, esquivante, de todo duvidoso. Isto mostrava-se não apenas a trilha adentro na estrutura de almas no Inferno, na qual a matéria-prima de uma época se condensava à visão subjetiva, ao contrário o ritmo no mecanismo do trabalho artístico. Junto a Arte se relacionavam pensamentos sobre a morte. O escritor da Poesia encontrava-se no meio da vida, porém ele se entregava em seu trabalho tanto a um morto enquanto guia [Virgilius] , quanto também ao encontro com os mortos. Enquanto ele seguia, ele se deslocava nesta proximidade da morte, o que ele respirava era um ar cheio de morte, junto aos falecidos, o reflexo daqueles que nada mais possuíam, e assim, ao meditar sobre isso, o que os mortos ali ainda sobreviviam diante dele, ao adentrar cada região, nas quais ele naturalmente esperava encontrar o próprio esqueleto, pois a ele parecia como se ele também fosse falecido. Podíamos comparar a viagem dele com a inércia embriagante do sono, conhecíamos o súbito cochilar ao alcance, o começo do sono, os instantes nos quais os ganchos-presilhas nas correntes da grua podiam te golpear o crânio, a correia de transmissão da máquina podia te arrancar o braço, ou à noite, de madrugada, de manhã cedo, que isso não permitia perceber se o quarto, no qual estávamos, era parte de um sonho ou se o sonho projetava-se em teu quarto, e neste estado intermediário, rodeados de pesado cansaço, porém ainda em condições, para ver, para ouvir, a nutrir pensamentos sobre o que parecia de relevante, a fazer-se notável e objetivo, quando ele compunha letras sobre o papel. Não podíamos ainda compreender a elaboração de um livro, uma pintura, até aquele momento éramos apenas receptivos à Arte e tínhamos, exceto por alguns poemas de Heilmann, no máximo elaborado de vez em quando um relato, muitas vezes sobre experiência além do âmbito do trabalho, que novamente referia-se a uma infinda dificuldade, do que chegar a uma amplitude, uma maior visão de conjunto. E comentávamos todo o complexo que nos oferecia o livro de Dante, e os sentimentos de culpa que faziam parte. Também insistíamos no nosso direito de ter livros, assim acontecia porém que devia ser uma leitura não sem cautelas. Nem ao menos os pais de Coppi participavam, em total impossibilidade, que assim tínhamos avaliado para o salto desde o concebido até o peculiar, aqui percebíamos bem o isolamento quanto ao que seríamos capazes de ler, mas não tínhamos aprendido no tempo certo, como era abrir e considerar um livro. Quando nós, com tanta convicção, falávamos de nossa auto-consciência cultural, e quando também sabíamos como essa tinha se mantido em alguns grupos, e assim muitos havia, empurrados adiante, não podíamos aceitar, a pensar diferente sobre a terrível paralisia a qual por causa do brutal domínio do poder, privava a leitura de iniciativa, tempo livre, incentivo e exemplo. Não era suficiente fazer com que as bibliotecas fossem abertas, mas antes superar a ideia obsessiva ao longo de gerações de que o livro não era algo feito para você. Nós nos sentávamos aos domingos no bosque Humboldt [Humboldthain] ou no cemitério da paróquia de Hedwig, na vizinhança da rua Plug [Plugstrasse], e procurávamos descobrir o que a Divina Comédia tinha a ver com a nossa vida. Nós supúnhamos antes de tudo que o despojamento seja uma das condições para a produção da Arte, que aquele que produzia se dedicava a conquistar algo fora de si mesmo. Porém isso soava de novo nada razoável, a Arte representava nossa convicção a uma maior realidade, porém, e assim era apenas para se alcançar através da tensão de todas as forças vitais. Então assim se revelava no determinado, conscientemente executado andamento da composição, que o misturar do pensamento de morte, a vida com a morte e com os mortos em si, bem podia provocar o impulso à obra-de-arte, que, porém, o produto pronto era determinado para os vivos e também por isso devia se apreender e refletir segundo todas as regras dos vivos. Dante demonstra este método de duplicidade, no qual superava o sobressalto diante do próprio delito, quando ele deixava símbolos que sobreviviam à vida particular [do Autor], e quando de início parecia, quando se ocultava esta transformação sob símbolos e alegorias, que apenas eram compreensíveis a quem era familiarizado com a Escolástica, assim deixava-se o trabalho de filigrana das metáforas, porém examinar mais e mais segundo detalhes, que a partir de uma imediata vizinhança falam de uma realidade observada. Não era mais necessário que entendêssemos as mensagens como elas talvez pretendessem dizer desde seiscentos anos, antes, ao contrário, que elas se deixavam deslocar até nossa época, que elas adquiriam vida aqui, neste parque, junto aos brinquedos das crianças, aqui, entre estas covas recentemente acumuladas, sob a Igreja de São Sebastião [Sankt Sebastian Kirche], assim era que [a obra artística] se fazia durável, a despertar nossas próprias ponderações, que ela exigia nossas respostas. Apesar de rodeados pela ruína, não ocorria-nos nunca o pensamento de que nossa vida recém-iniciada poderia ser precocemente extirpada, porém agora a própria morte seguia para um momento desde já divergente no foco, do qual se esquivava novamente, porém apenas o que sabíamos então, para mais tarde novamente emergir, cada vez mais nitidamente. Dante seguia entorpecido, porém rodeado por personificações, disformes, grotescas, resfolegantes ao redor, tais como lince, lobo, até rugindo com voz de leão, a ele acossando novamente, no declinar, e o que era o salvador, o guia de certo modo diferente diante da lembrança, deixava surgir a perseverança onde houvera ainda recente instabilidade. Aquele de Mântua, o lombardo, lhe chamava a continuidade no sentido, modo de pensar, que se prosseguia sobre vida e morte, e acima deste modo podia ao ponto-limite, onde esperava a dissolução, que o mundo fácil de se perder ainda poderoso de certo modo, a ficar mais violento, tumultuado, tudo se colocando de encontro a ele, o que lhe animava para a atividade mais poética, mais política, o que desfazia as esperanças dele, ele [Dante] expulso de Florença, sendo subjugado pelo exílio e pela miséria, e também que o que se tinha obtido após a auto-renúncia e ascetismo na vida. Ali junto a entrada do Reino dos Perdidos, ainda antes que Caronte empurrasse o barco para a travessia do Aqueronte, logo ficou esclarecido que se tudo se espiralava aqui não um Além no interior da Terra, ao contrário o mundo habitado, que Dante tinha invertido, de ponta-cabeça, na virada só século treze para o quatorze, com tudo o que denunciava de tumulto e maldade, ciúme, ira e ilusão. Desde o acúmulo de figuras/símbolos, das quais cada um era preso em suas manias, ele destacava sempre novamente detalhado, depois que ele tinha primeiro se abandonado ao frio apontar-de-dedos de Virgílio [a indicar a direção], e não apenas até desnudar a pele, com suas cicatrizes, deformações, caracterizada na loucura deles, eles [os Perdidos] se apresentavam aqui, senão enquanto representantes de determinados interesses de classe. Às vezes dominado por emoções diante da visão deles, os quais ele tinha defrontado em intrigas e controvérsias, porém sucedeu a ele o fato de registrar um padrão social, que para sua época devia ter sido notável. Aqui [na Divina Comédia] estavam todos os Grandes da época, até os Imperadores e Papas, retratados com seus nomes próprios, com traços individuais, e de suas paixões se incendiavam, numa irrupção, numa glaciação, nas quais se consumiam por toda a eternidade. Antes de tudo nós tínhamos folheado então, onde estava registrado o infortúnio provocado por eles mesmos, e já podiam reconhecer como se sistematizava a imensa fartura. A alucinação, na qual o matar e o torturar recaíam sobre o culpado, na qual cada perversidade foi à própria libertação, era ao mesmo tempo quase uma pedante catalogação de todos os atributos, os quais se trazia com a ascensão ao poder. Porém este moralista continuava, Coppi dissera, que entregava à condenação cada um de seus inimigos e antagonistas, enquanto ele mesmo era imaculado, ele bem poderia lamentar, poderia afundar em impotência, em vista de todas estas dores, que os outros sofreram, ou que causaram, ou também do próprio sofrer, porém nunca ocorreu-lhe o pensamento de que também ele, através de um hesitar, uma omissão, um calar-se, um negar, tornara-se culpa aos olhos de um outro alguém, ele que atravessara o Mal e sabia, enquanto se mantinha firma na mão do espírito protetor [Virgilius], da consciência artística, nada poderia molestá-lo. Não é isto também, Coppi perguntara, uma arrogância, diante da qual devemos nos resguardar na Arte?, e Heilmann respondera, em seguida, que esta insensibilidade talvez fosse igual a que conhecíamos no sonho e que isto para nós em geral antes de tudo possível suportar diante do que aparecia. Se as feras realmente golpeassem, se a fatalidade ao redor se realizasse tal como se ameaçava, ele teria nada mais além a declarar. O martírio do sonho e da poesia, Heilmann dissera, seja a entrega a uma situação, da qual não há saída, tudo o que nos aconteceria, como se isso fosse real, apenas continua o sonho até não ser mais suportável e acordarmos, assim como se liberta na poesia através da transmissão em palavras. A anestesia também fazia parte disso ao extremo, em posição referente a Arte, então sem cuja ajuda seríamos subjugados ou pela compaixão diante dos sofrimentos alheios ou pela consciência da própria miséria e poderia nosso calar-se nosso imobilizar-se de terror não converter-se em alguma agressividade, que é necessária para remover as causas do pesadelo. Igualmente era a claríssima radiografia do encontro decisivo entre a morte a sobrevivência a encontrar em muitas imagens. Enquanto eu ainda trabalhava no setor de montagem de centrífugas-separadoras, houvera um período no qual vivíamos com os sonhos de Piero della Francesca. Aqui não se tratava de um livro, que fora encadernado em algum lugar e poderia ser algum opcional, a se mostrar livremente em suas permanentes peculiaridades, antes ao contrário era uma série de fragmentos, que apenas deixavam uma ideia de totalidade, da qual os trechos faziam parte, e os que eram preenchidos por igual expectativa, que a cada olhada despertava o desejo de um encontro com as reais dimensões dos afrescos em Arezzo. Sem-sombras, em um recinto, sem profundidade, estavam as imagens, com suas armas, cavalos de guerra e bandeiras, encaixados uns nos outros, do que distintos do mesmo modo que as anteriores, e cada detalhe, seja a corrente de uma atiradeira, uma fivela, uma dobradiça, um penacho de elmo, o olho de um soldado ou cavalo, era de igual valor, à nenhuma outra regra eram sujeitados do que aquela imposta pelos planos de composição. As consonâncias do branco-cinzento, cinzento-escuro e sombra dos cavalos, as tonalidades rubras, violetas, cinzentas, verdes e azuis das peças de roupa, o vermelho das manchas de sangue, o brilho das espadas e armaduras, as ferraduras de cobre em couros embotados, a visão em espiral em volta de um curso d'água cristalino, reluzente-espelhado, com cisnes, a relva transparente destacada no reboco de cal e moita na areia branca da margem, a geométrica muralha ao redor de uma cidade, o azul-esverdeado do céu, que se percebia peculiar quanto ao solo, plano e ileso, que tudo numa olhada, que evitava toda e qualquer emoção, na monumental eficácia de um consecutivo deslocar de equilibradas formas. Coppi achou este olhar frio, incomunicável, o caráter definitivo do representado/ descrito [...]



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mais sobre Dante, Inferno
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divina_Comédia
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Pietro della Francesca
http://pt.wikipedia.org/wiki/Piero_della_Francesca
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/



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LdeM


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