sábado, 26 de fevereiro de 2011

trad. do I / bloco 5 (1/2)




I

[bl.5]

Inseparável da conivência econômica estava a supremacia do saber. À posse pertencia a avareza, e os privilegiados tentaram fazer demorado o quanto possível o caminho aos pobres até a educação. Antes que nós pudéssemos ter a visão geral nas relações dos conhecimentos essenciais produzidos, que poderiam não conservar os privilégios dos dominadores. Sempre de novo éramos repelidos, por que os nossos recursos de pensar, de combinar e concluir ainda não estavam bastante desenvolvidos. O começo de uma mudança desta situação residia no bom senso, que condenava a força principal das classes superiores contra nossa sede de conhecimento. Desde que era isso o mais importante, conquistar para nós mesmos uma instrução, alguma prática em alguma área de estudo, ao usarmos todos os meios, de astúcia e de auto-superação. Desde o início, o nosso estudar era um ato de insubordinar. Assim ajuntávamos material para a nossa tarefa e para a preparação de uma conquista (tomada de poder). Raramente por acaso, em geral porque mantínhamos o conceituar, mais próximos de algum tema, lutando sempre contra a debilidade e as perspectivas íntimas, e contra o constante argumento de que após um dia de trabalho não seríamos capazes de um esforço de auto-aprendizado. Devíamos liberar a mente ao expulsar os pensamentos entorpecidos e a monotonia, ao ter uma maior mobilidade para um novo aprender, assim aconteceu conosco, contudo, que nem o emprego assalariado conseguiu rebaixar ou fazer desprezar. Com nossa recusa ao ponto-de-vista de que nosso desempenho peculiar fosse distinto, separado tanto da problemática artística quanto científica, mas associada à vontade, a manter um trabalho que não nos pertencia. Foi quando o pai de Coppi entrou na cozinha, num terno escuro, brilhante de tanto escovado, com camisa sem colarinho, a boina ampla sobre a testa empurrada para trás, com uma pasta poída sob o braço, e ficou de pé junto a mesa, percebíamos todos, como o dia pairava sobre nós e qual lacuna devia ser superada, antes que a força da imaginação, a pressão intelectual ou o sossego meditativo fossem exigidas. Às vezes ficávamos irritados ao renunciar a leitura de um livro, a visita a uma galeria de Arte, a uma sala de concerto, a um teatro, todos associados, para nós, a suor e preocupações adicionais. Enquanto isso as tentativas de escapar à falta de expressão, às funções de nossa existência, o que encontramos foram amostras que podiam medir o emudecer superado e os passos rumo a um âmbito cultural. A nossa visão sobre uma Cultura raramente concordava com aquela de um imenso reservatório de bens, mercadorias, invenções e inspirações reprimidas. Enquanto a falta de bens nos deixa amedrontados diante do acúmulo [de Cultura], em plena reverência, até isso era claro para nós, que devíamos preencher isso [a lacuna entre carência e saber] com a nossa própria avaliação, com o conceitos que poderiam ser úteis, quando expressado acima de nossas condições de vida bem como das dificuldades e estranhezas de nosso processo de pensar. O tema era associado a Lunatscharski, Tretyakov, Trotski, cujos livros nós conhecíamos, sabíamos também devido à iniciativa dos trabalhadores capazes de escrever assim dedicados à educação, enquanto o século vinte começava, e as declarações de Marx, Engels, Lênin sobre questões culturais nós tínhamos discutido em círculos de estudos. Isto era bem instrutivo, dava inspiração, podiam indicar o futuro, porém não correspondiam à totalidade, aquela que queríamos, pois ainda manifestava o tradicional, algo não renunciado nos limites das dimensões do mundo do poder. Também nós, assim apreendíamos o progressista, moderno ao lado do que se denominava Cultura, ao ser benefício, quando reconhecíamos a grandeza e a importância de muitas obras, nós começávamos a entender como se refletiam os estratos sociais, os paradoxos e conflitos nos testemunhos culturais das épocas, porém ainda não conseguíamos com isso uma imagem, que nos incluísse, que devia expressar todos nós, era mais um acúmulo de formas e estilos emprestados. O que também sempre nós líamos no que estava pronto, porém, podíamos apenas confrontar com a nossa exclusão, e quando descobríamos os clássicos e imponentes, corríamos o perigo de afastar de nossa classe. Com a utilização de novos conceitos, novas associações nós despertávamos a desconfiança de que assim haviam sido violentados com a predominância da ideologia burguesa, que não considerava acesso aos níveis intelectuais. Nisso nós precisávamos apenas olhar nas faces deles, para ser relembrada uma marca, um sinal, que ficou oculto neles. Antes de trinta e três [1933], quando eu visitava, às vezes, o meu pai durante o intervalo do meio-dia na empresa, podia acontecer que um representante de uma associação de estudo fizesse uma palestra na cantina ou lesse poesias, enquanto era nítida para mim a impossibilidade de se estabelecer uma ligação com as regiões intelectuais. Lá sentavam-se os trabalhadores em suas latas de metal, suas garrafas térmicas, seus sanduíches enrolados em papéis gordurosos, meio surdos de tanto ruído dos metais e martelos-de-rebite, permaneciam uns vinte minutos à disposição, mas sempre a desviarem as faces do locutor, e mantinham-se graves inclinados sobre as mesas, o que não era culpa apenas da pressa, com a qual deviam comer, mas também por causa do constrangimento, porque isso era oferecido a eles com boas intenções, mas sabiam que precisam começar com o mais simples. Quando eles aplaudiam, em seguida, por alguns instantes, nas oficinas, assim faziam por cortesia, e o artista recebia algo deles, porém, eles próprios continuavam vazios, saíam de mãos vazias. Está relacionado com isso, que eu entendo logo então, que a nós o que vinha de fora ou de cima, nada podia impressionar, enquanto ficávamos retidos a cada tentativa, a oferecer-nos uma perspectiva, que podia ser penosa, não queríamos nenhum racionamento, para nós nenhum dividido trabalho-por-tarefas, ao contrário, (queríamos) o todo, e este total não devia ser o tradicional, a ser produzido primeiro. O que então precisávamos eram conselhos, explicações de âmbito político, planos de organização, e estes podiam apenas vir numa sequência própria. Assim foi que levou-nos a consideração prática a tal configuração, que se chamava Cultura e aderia às práticas das vozes à procura, com os gestos de experiências ao longo de gerações, junto aos princípios de orgulho e de dignidade. Nosso caminho para fora da repressão intelectual era um [caminho] político. Tudo o que se conseguia da aquisição de poesias, romances, pinturas, esculturas, peças musicais, filmes ou dramas, devia primeiramente ser analisado politicamente. Era um apalpar ao redor, ainda não sabíamos para que o serviria o que descobríamos, mas entendíamos apenas que devia ser conseguido por nós mesmos. O pai de Coppi retirou da pasta, que ele havia colocado sobre a mesa, junto ao papel amarrotado, garrafa, dois tabletes de manteiga, tudo lavado na bacia, onde desnudado, da cintura para cima, o pai de Coppi esfregava o rosto e pescoço, para depois vestir um casaco de lã, com fileiras de cabeça de cervos bordadas, e novamente falávamos de coisas, que mantínhamos junto a nós, para nos ajudar na compreensão, objetivo de nossos esforços. À tarde meus braços têm dois metros, disse o pai de Coppi, a arrastar as mãos ao chão. Nesta imagem esboçava-se tudo o que crescemos ao achegarmos até a Literatura e a Arte. Na fábrica, junto a rampa de carregamento, o pai de Coppi, passava oito horas, a empurrar, puxar e carregar caixas, onde seguiam empacotados os componentes de peças de artilharia, de canhões, enquanto a mãe de Coppi tinha produzido, nas oficinas da Telefunken, peças de equipamento para manobras de aviões de guerra. Cada peça entregue, cada embalagem era acompanhada por um controlador, que registrava o ritmo dos trabalhadores, a responsabilidade de cada um. Um parafuso afrouxado, alguns grãozinhos de areia na engrenagem, um fio enrolado, falho ou a faltar, estes eram coisas concretas, que competiam com as leituras, a contemplação de pinturas. Perguntávamos se os temas dos livros que líamos podiam se transformar em coisas práticas, em nossas experiências, se eles descreviam pessoas que viviam próximas de nós, se mostravam atitude, e ofereciam tentativas de solução. Haviam obras que não tinham relação alguma com os nossos padrões [de vida], e que, exatamente por serem ignorados, despertavam o nosso interesse. Geralmente examinávamos texto ou imagem, sejam lançados em revista ou expostos em museus, se poderiam ser úteis na luta política, e aceitos enquanto tomando partido [situando-se na luta]. Então novamente abríamos outra [obra], onde não se reconhecia imediata eficácia política, mas interessante, pois parecia ter outras importantes qualidades. Eram livros e quadros deste tipo, além disso eram considerados, pelo novo soberano ditador [o Führer], como obras degeneradas, sendo então retiradas da coleção pública,o que ainda mais fortalecia a nossa vontade de incluí-las no registro dos atos de sabotagem e manifestações revolucionárias. O Surrealismo logo tinha nos impressionado, quando Hodann, no salão Haeckel, terminava a sessão de numerosas perguntas sobre a origem das Neuroses, Depressões, Obsessões, atentos fazíamos conexões entre condições sociais e motivos das doenças, dos impulsos oníricos [Traumimpulsen], e cujos efeitos se esclareciam na Arte, que seguia um solto fluxo de inspiração. Um tal modo de expressão que ignorava a lógica e aceitava coisas estranhas, alarmantes, rumo às causas do próprio comportamento, devia corresponder a nossa própria busca por auto-conhecimento. Também éramos, sim, suspeitos diante do determinado, do estabelecido, e víamos sob a capa das legalidades as manipulações, às quais muitos de nós sucumbiram. Também o Dadaísmo mostrava algo de nossas tendências, ele tinha vomitado nas delicadas salas-de-estar, ele tinha derrubado os bustos de gesso de seus pedestais e rasgado as grinaldas do auto-elogio burguês, e com isso concordávamos, zombar das homenagens, fazer cômico o Sagrado, mesmo que não fosse de nosso interesse o grito a exigir a total destruição da Arte, pois era um lema para quem estava farto de Arte e Cultura, enquanto ainda queríamos manter são e salvo as instituições da cultura, ao vermos ali o disponível e suficiente para a nossa vontade de aprender. Víamos nos quadros de Max Ernst, Klee, Kandinsky, Schwitter, Dali, Magritte as dissoluções de preconceitos visuais, um meio-faiscante clarear de fermentação e putrefação, pânico e reviravolta, distinguíamos onde isso se tratava de ataques contra o desgastado e decadente, e onde seguia apenas para faltas de respeito, porém o derradeiro fim do mercado ficava à vontade. Discutíamos o antagonismo nas opiniões, que isso era, por um lado, previsto, a presença a descrever a complexidade, ruptura e confusão delas, por outro lado, relatava a decadência imparcial e objetivamente, como [faziam] Dix e Grosz, que aqui intensamente mediam e desmontavam a realidade disponível, como [fazia] Feininger, e a deixaram aquecida em chamas, como Nolde, Kokoschka ou Beckmann. Incitados pelas proibições, pelos tantos decretos, sobre o que entender por Arte, e pelas medidas de censura, que deixavam entender quais corroentes habilidades concedia o prevalecer da pintura e da literatura, estávamos sempre em busca de livros e periódicos, nos quais os testemunhos dos inovadores eram conservados, que então estavam às ocultas no trabalho ou que os pais tinham deixado. Quando nós considerávamos se a cifrada linguagem poética, os códigos visuais e símbolos mágicos seriam adequados para a descrição dos obscuros, aparentemente imprudentes acontecimentos ou se em vista do pouco-compreensível seria necessária um versão mais evidente, então depois de nós, chegava Heilmann, ao voltar da escola noturna, junto a estação de metrô Gleisdreieck, tinha lido em voz a sua tradução de “Uma Temporada no Inverno”. Está certo a ambos, pensava Heilmann, tanto o esmagar, que dilacerava o chão sob os nossos pés, quanto o esforço para estabelecer um chão firme para o exame de fatos simples. A maioria está bem distante de tais questões, disse o pai de Coppi, mesmo que eles pudessem ver em si mesmas a necessidade, as palavras de vocês voariam além deles. Seria um zunir nos ouvidos, que não seria transpassado por palavras, que vinham de um palco, dos sons das cordas e das flautas-cornetas no estrado, via-se que era impossível sentar numa cadeira dobrável com as costas doloridas. O mover-se dos braços no escuro do fraque, e o que ali diante das teclas golpeadas derramava-se de um aberto piano de cauda, seria uma tortura como a de um anel de ferro em torno da cabeça. Sempre mais deveria, antes de se levantarem com suas bocas pintadas, os gestos ambíguos, na abundância de cores que brilhava neles, meio às propriedades artísticas, primeiramente se permitir as necessidades do sono. Até a beira do suportável eles ficavam suspensos firmes entre as cintas da banca de trabalho, onde o piso de concreto, com fria dureza, golpeava os pés constantemente. Quando eles, os operários, que ficavam desde três, quatro horas em pé, disse a mãe de Coppi, desde então dolorida como se tivesse apanhado, ao se retirar, não se acomodando ao lado de um Rembrandt ou de um Rubens, ao contrário, ela puxava um cobertor sobre o rosto. Conseguir entender o que está escrito em densos volumes, rumo a um guichê, e o preencher de formulários, e o especificar dos desejos, o que significava a confissão de completa ignorância, enfim este não podia ser o discurso. Desde a fábrica de metal, desde as caldeiras do ferroviário, a conduzirem às estações-finais de ônibus, em atalhas pisados em todas as direções, com seus olhos meio fechados, mecanicamente as pernas se arrastavam no caminho de volta. Não era este o problema, como se desenvolvesse de um estilo um outro, ao contrário o que aconteceria após um dia doente se seguisse um segundo dia de debilidade, então o terceiro dia traria, junto ao reduzido apoio, a necessidade mais nua. Antes que a doença caísse sobre o saudável, mesmo que conhecimentos chegassem a ele, seu olhar tropeçaria entre as linhas, ao longos das quais seus dedos passavam, enquanto seus lábios murmuravam algo que a mentia logo novamente esqueceria. A catástrofe penetrava no cômodo, cujo aluguel não podia mais ser pago e logo o locador entrava, sem bater. O que nos elevados e admirados dramas guiava a uma catarse, já era vivenciado, às ocultas, humildemente, em seu impiedoso transplante na experiência cotidiana. O trabalho, disse a mãe de Coppi, tornava-se, após uma interrupção, ainda mais pesado. Contudo, respondeu Coppi, devíamos sempre nos perguntar sobre a nossa missão, geralmente ninguém podia nos esclarecer sobre os contextos, nos quais estamos inseridos. E podemos dizer também sobre as coisas que não eram propriamente acessíveis para nós. Para demonstrar as teorias, que talvez esclarecesse algo sobre is meios e métodos de nossa libertação, devíamos primeiro entender a ordem, na qual nos movimentávamos. Era evidente que nada tínhamos alcançado, daí ser o auto-engano bem maior do que nunca antes. O trabalho cultural que Coppi mencionou em inclusão em funcionamento com a abertura dos cursos noturnos, pois o desempenho era obtido passo a passo, quando se devia superar o cansaço, que nos queria deter. Mais que a metade dos participantes desanimou após a primeira hora. As testas golpearam as carteiras escolares, abatidas após doze horas, de forma que às sete horas da noite eram como se feitas de chumbo. O sistema educacional observava estes decaídos, os sobreviventes que se mantinham com dos dedos nos olhos, a olharem fixamente o quadro-negro flutuante, beliscavam-se no braço, rabiscavam totalmente seus cadernos, e quando nas últimas etapas da aula desanimassem mais ainda, era o bastante, para perder uma semana, por procura de moradia, procura de trabalho, por acidente ou simples desânimo, e eles eram tirados da escola. Querer falar sobre Arte, sem ouvir os inconvenientes, com os quais nos seguíamos, seria uma presunção. Cada metro até o quadro, até o livro, era um esforço, como se rastejássemos, movendo adiante, nossas pálpebras piscavam, às vezes, nestes momentos, irrompíamos em gargalhadas, que nos deixavam esquecer para onde estávamos a caminho. E que se mostrava a nós ao exame de um quadro então, era um emaranhado de fios, brilhantes fios que se concentravam numa pepita, difundia-se, se formavam áreas a partir de santidades, escuridões, e uniam-se os interruptores dos nervos oculares sobre nós em irrompente tempestade de pontinhos de luz as informações que se deixavam decodificar. Podíamos invocar para nós mesmos todas as circunstâncias na memória que nos uniam no caminho rumo à obtenção de conhecimentos, porque nos encontrávamos constantemente em estágio de preparação, porque nós às vezes não saíamos de todo do início, por que nada nos havia sido oferecido, porque o encontro com um tema literário ou artístico nunca teve auto-evidência. Apenas junto as obras do realismo socialista nós tínhamos então recolocado a questão sobre Forma e Estilo, aqui aceitamos, contudo, o conteúdo, que se distinguia fundamental de todos os outros movimentos artísticos. Nós podíamos exigir as etapas, única e apenas por causa de suas novas forças de expressão a serem aceitas. Elas vinham do século dezenove até nós, a partir de um laborioso mistério, os antecessores daqueles que de mostravam, que se erguiam apenas com esforço, libertos e orgulhosos. A imensa potência fora ainda mais nítida, aí atrás dela os escravos, os ressecados, os miseráveis assim visíveis, oprimidos ao longo de gerações contra a supremacia, que se mostrava invencível. Apenas humilhação, repressão, encarceramento havia nas pinturas dos realistas russos, porém na afinidade deles com as pessoas, que eles retratavam, na descrição da injustiça, que ocorria a eles, permaneciam logo ao lado daqueles que planejavam uma renovação. Aí estavam no quadro de Repin os puxadores de barco unidos por correias, os trabalhadores forçados de Savítski, na terra removida para a construção do dique da estrada de ferro, as crianças de Perov, que através da tempestade de neve carregavam os tonéis de água, aí estava o foguista de Jarosjenko [Yaroshenko] chamuscado por brasa vermelha, quase afundado no recluso espaço da fornalha, segurando o atiçador nas inchadas mãos grossas cheias de veias. As faces dos esfarrapados, barbudos servos, que descalços ou com sandálias gastas e botas de cano alto trilhavam através da areia da praia, eram deixados vazios de qualquer esperança. As crianças nos trenós estavam exauridas, com suas faces pálidas, apáticas diante do cansaço. Era o ano de mil oitocentos e setenta e quatro, quando os trabalhadores na estrada junto a poeirenta rampa, vigiada por soldados, suportava sobre ela as sobrecarregadas carroças. No deserto, a anulação de suas vidas, eles que nunca tinham o que aprender das revoluções na França, da Comuna [de Paris], para eles eram os tempos medievais ainda atuais. Também os cortadores de pedra [quadro] de Courbet pouco alívio trazia, porém o trabalho deles no cascalho não era mais marcado por desesperança. As roupas deles eram miseráveis, rasgadas, os movimentos porém transmitiam algo das forças das rebeliões em fevereiro e junho de quarenta e oito [1848], e foram também as revoltas reprimidas, assim parecia-se o arranque, com o qual o jovem trabalhador levantava a cesta cheia de pedras, e o pesado punho dos mais velhos para o Hammerschaft (organização paramilitar social-democrata) renovava os gestos junto a construção de barricadas, meio ao furioso conflito. Ambos voltavam-se diante do observador, que a cópia [do quadro] mostrava-os diante do fundo quase escuro, onde aí um pote quebrado cheio de provisões, algumas picaretas dispostas como se fossem armas, se eles se voltassem assim seria numa movimento cheio de ímpeto. Muito de nossa própria vida nós tínhamos encontrado em tais quadros, de modo incompleto, por alusões, como nós tínhamos visto [as cópias] em revistas e livros, em também em nossas próprias opinião e instrução. Todos, o que nós pretendíamos externar sobre estes [os quadros], poderia ser apenas esboço, rascunho. Ainda precisaríamos de décadas, para termos o conhecimento a partir de ideias aproximadas. Em geral, estando longe dos quadros originais, nós investigávamos o que se mostrava para nós enquanto sombra de uma realidade artística, aguçada em nosso olhar para o típico, o gestual, a relação entre as figuras, sobretudo, o que se deixava ler propriamente a partir de um tom cinza manchado. Os trabalhadores na Suite Doré no porto de Londres encontram-se em igual escuridão abismal, que dominava em suas ilustrações para o Inferno de Dante, eles eram, porém, não expunham o abandono do mundo, senão o estar estafado num círculo de vivos, cuja marca era agora o vapor e a fumaça, o brilho do fogo, a água fervente. Para Millet, sem que ainda conhecéssemos suas cores, era o trabalho diário um incessante, mas necessário flagelo, seus camponeses em meio a névoa, na qual se misturava o suor dos corpos com a ardente luz solar, eles cresciam com ferramentas, eles se misturavam nos montes de palha, lidavam a colheita, ficavam, iguais a um torrão de terra em pleno abafamento antes da tormenta. Porém, eles [os camponeses] não tinham posse da terra, a qual transmitir, e também nada conseguiam, a cada dia, além de suor, exaustão física e algumas moedas, que eram necessárias para o alimento e para sobreviver nos dias futuros, assim eles seguiam, porém, tudo neles era ação, o trabalho nada tinha de estranho, nem forçado para eles, eles eram aderidos a cada alavanca, quando eles pegavam firme, eles sentiam a própria persistência, nunca em seus corpos se aderia o que era sombrio, ou quebrado. Ainda enquanto seres da Natureza eles eram apresentados, enquanto criaturas eles se inclinavam profundamente, para arrancarem os talos, três mulheres numa fileira, em movimento contínuo, uma mão pronta para agarrar, a outra amparando os talos, a terceira reunindo o feixe, todas as formas de igual gravidade, igual valor, era inevitável o lento avançar delas, assim encurvado, porém ainda natural, não visto como componente de um determinado processo de produção. [quadro Des Glaneuses, As respigadoras] As revoltas do ano de quarenta e oito [1848] transmitiam-se bem em gestos de trabalhadores, colocavam a existência social deles mas ainda não em questão, eles ocupavam, algo monumental, também o total espaço da pintura, apoiados na enxada, as pás cavando o campo de lavoura, a mão amplamente oscilando ao semear, assim era, quando se conformavam, porém, ao destino deles. O próprio Millet cresceu entre eles, não morando em cabana, mas enquanto filho de camponeses ricos, ele tinha aspirado o cheiro dos grãos, tinha, igual a Hércules, vigiado as ovelhas, olhava para cima até as formações de nuvens, olhava para o outro lado aos altos penhascos, onde ele imaginava um Prometeu sempre firme, e estas amplidões mitológicas eram ainda encontradas em sua pintura. As revoluções não tinham, à primeira vista, alcançado muito, e o que alcançavam era logo destruído pelo poder da Burguesia, mas não se podia mais negar os resultados da tensão de força, do avançar, do salto, e tudo isso Millet entendera, ao observar esta energia dos proletários e reproduzi-la. Ele não era político, igual a Courbet, ele não perseguia as consequências de revoltas sociais mais amplas, ele apenas relatava o que ele tinha vivido, enquanto Realista ele descrevera a nova determinação na atitude das pessoas, ele que não podia ver os trabalhadores em posse do poder, o que era ainda utópico, porém ele representou os trabalhadores com dignidade, com a qual eles tinham combatido. Em seus quadros via-se claramente um estado intermediário, a expressão física das formas devia ser atribuída às experiências revolucionárias, porém, primeiramente fora introduzida o ritmo da auto-consciência deles, o Poder, do qual eram capazes, era apenas uma tentativa, porém enquanto ele subia de vida no salão da sociedade, enquanto ele retirou as figuras suadas, com seus feições terrosas, como se de argila, de onde tinham resistido enquanto anônimas, e via-se deslocado entre os sofisticados retratos, de ninfas e pastoras, o que ele tinha feito, o que se igualava aos interesses revolucionários. O surgir de tais figuras no meio das galerias da Burguesia era um tapa na cara dos Entendidos [Connaisseure], que achavam que estas pessoas deviam permanecer lá fora, na imundície delas, lá ao lugar ao qual pertenciam. Porém elas não mais algo a rejeitar, alarmar, quando lá permaneciam na hora dos ângelus, em devoção, numa imersão mística, que podia se acumular sobre os campos de Millet, de imediato ameaçando então os trabalhadores rurais, em tamancos grosseiros, arfando sobre as enxadas, e o semeador, escuro, tingido, sombrio a bater os pés ao longo dos torrões de terra, dificilmente um vestígio do céu, antes da aurora ele tinha iniciado a caminhada, e antes do anoitecer ele ainda não tinha terminado. Estes impressionantes gestos pertenciam a Revolução, de súbito estavam os servos e criadas nas veneráveis regiões do Academicismo, ao invadirem a tranquilidade burguesa. Os trabalhadores da colheita no quadro de Lhermitte recebiam do capataz um ganho diário, de pé, todos dignos, sem humildade, um estendia a mão para receber, um outro recontava cuidadoso as moedas, um terceiro sentava-se altivo, maciço, diante de si a enorme foice afiada. A questão salarial era aqui logo proclamada, também a questão do engano à força de trabalho. Eles não eram mais dignos do que eles recebiam nesta tarde, quando diante deles estendia-se a riqueza de grãos que pertencia a outros, porém, eles eram cinco, e o arrendeiro apenas um, e não apenas nesta proporção de forças, também no efeito da condição física deles, que se mostravam bem superiores. Os mineiros, os trabalhadores do porto nos quadros de Meunier erguiam-se da inércia, em profunda seriedade, atravessavam as forças em potência, porém, sequer erguiam a mão. Realmente era raro, durante séculos, que os trabalhadores fossem uma imagem em primeiro plano numa obra de Arte, que se mostrassem em gestos de defesa, de ataque. Porém eis que se apresentavam enquanto nova classe, que eles pareciam bem reais diante do consternado observador, numa obra artística o suficiente. Atrás deles se alinhava uma cadeia de revoltas e revoluções, e eles eram sempre novamente reprimidos, assim eles tinham cada vez mais ganhado experiência, e poderia ser que estivessem melhor preparados para o próximo ataque. Que os pintores se aproximavam deles [os trabalhadores], que eles procurassem motivos para as suas pinturas a partir do mundo do trabalho revelava que também a Arte se libertava de velhas amarras que insistiam com suas forças, que vinham do povo, forças que deviam ser articuladas, antes de tudo de novo, das quais eram capazes o pronunciar da expressão conciliatória. Os pintores entendiam esta reclamação, eles não pretendiam ainda contagiar todo o sistema, no qual viviam, porém eles denunciavam, destacavam as situações precárias, eles viam nos trabalhadores os seus clientes, eles [os pintores] protestavam em nome deles [os trabalhadores], por algum tempo eles [os pintores] se identificaram com eles [os trabalhadores], então também eles deixavam-se novamente se cativar pelas seduções das convenções. Como sempre ficou nisso o protesto que surgia do povo, primeiramente encontrava uma formação de alto nível, ali enquanto expressão autêntica não mais digna de confiança, que não precisava ser idealizada ou dramatizada, porém facilitava uma existência independente no mundo a partir de formas e cores. Apenas indiretamente as obras realistas do século passado [século 19] queriam ajudar aos trabalhadores. Enquanto as imagens deles irrompiam há tempos na esfera da Arte, eles eram, os inspiradores, ainda excluídos dela, raramente eles chegavam a ver a face, que os mestres das vidas deles tinham conservado, porém os favorecidos aprendiam, a se voltar para eles, a se ocuparem de seus problemas. Provisoriamente este era o único desenvolvimento possível. Assim como as ações básicas das Revoluções sempre recebiam a partir de cima e assim eram utilizados, assim se batiam também ideias e esperanças daqueles que queriam progredir, abaixo das reservas de cultura, onde eram submetidos. Frequentemente, por completa simpatia algo era concedido ao povo, algo que não lhe pertencia. Este ciclo, que cria uma constante afronta, uma repressão a romper de uma vez, o que se devia a nós mesmos. [...]




continua...




sobre a exposição “Arte Degenerada
promovida pelos nazistas
http://obviousmag.org/archives/2008/04/arte_degenerada.html
http://historia.abril.com.br/cultura/arte-degenerada-obras-inimigas-435433.shtml
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2879528,00.html

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pintores citados
http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_ernst
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Klee
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kandinsky
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Kurt_Schwitters
http://pt.wikipedia.org/wiki/Salvador_Dal%C3%AD
http://pt.wikipedia.org/wiki/Magritte
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_Dix
http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Grosz
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lyonel_Feininger
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Emil_Nolde
http://pt.wikipedia.org/wiki/Oskar_Kokoschka
http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Beckmann
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Uma Temporada no Inferno (Rimbaud, “Une Saison en Enfer”)
http://www.jornaleco.net/Rimbaud/temporada.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Une_saison_en_enfer
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mais artistas / pintores
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rembrandt
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rubens
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilya_Yefimovich_Repin
http://es.wikipedia.org/wiki/Konstant%C3%ADn_Savitski
http://en.wikipedia.org/wiki/Vasily_Perov
http://en.wikipedia.org/wiki/Nikolai_Yaroshenko
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mais sobre o realismo russo na pintura
http://pt.wikipedia.org/wiki/Itinerantes

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mais pintores realistas franceses
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustave_Courbet
http://pt.wikipedia.org/wiki/Millet
http://pt.wikipedia.org/wiki/Honor%C3%A9_Daumier
http://es.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9on-Augustin_Lhermitte
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pintor belga Meurnier
http://es.wikipedia.org/wiki/Constantin_Meunier

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videos
http://www.youtube.com/watch?v=pyVod6vNxFg
http://www.youtube.com/watch?v=XgZb9E32seo&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=JMBJr0VNoCo&feature=related

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sobre a Hammerschaft, a organização paralimitar
social-democrata, suborganização do Reichsbanner
em
http://en.wikipedia.org/wiki/Reichsbanner

obras de Gustave Doré
http://dore.artpassions.net/
http://djelibeibi.unex.es/libros/Dore/
http://www.all-art.org/impressionism/dore1.html


LdeM

2010/2011