quinta-feira, 9 de junho de 2011

Volume I - I - bloco 8









Estética da Resistência

Peter Weiss



Volume I - I - bloco 8



Ao longo do caminho da estação de metrô da rua Scwartzkopf, a passar acima da rua Chaussee, até a rua Pflug, sob o uivar das sirenes de alarme, que soavam desde os guardas de quarteirão [Blockwarten] que queria me conduzir ao abrigo antiaéreo mais próximo, perseguido pelo trilar de seus apitos, grudava-se em mim uma questão, e esta se prolongava, enquanto os automóveis e ônibus paravam, os apressados desapareciam nos buracos indicados com setas brancas e eu alcançava ainda apenas mais rápido a esquina mais próxima, para chegar em casa, em seguida uma resposta, se toda ocupação com livros e pinturas não havia sido nada mais que uma fuga, uma evasão para longe dos problemas práticos e dominantes, uma idêntica fuga ofegante em pânico igual aquela corrida sobre a calçada brilhante de chuva, para dentro através da porta de dois batentes com as ombreiras cortadas, ao longo do corredor, através do pátio, a escada acima, para dentro da fria moradia esvaziada. E eu precisava apenas ver a esteira de linóleo, com as linhas e falhas bos cantos destacados das tábuas do chão, com as trilhas desgastadas que levavam até ao fogão, à pia, à porta do quarto ao lado, e então lançar um olhar no quarto, nos quatro buracos que as pernas da cama tinham deixado no assoalho, para perceber mais uma vez a amostra da pobreza e reconhecer que o que, ao que nos dedicávamos noite adentro e com vertigens, para nós, porém, não era disponível. Então, porém, estando junto a janela aberta, acima da confusão dos trilhos, do bosque de postes de iluminação no terreno adiante da Estação ferroviária Stettiner, acionava, em caso de dúvida, a defesa, e eu me dizia, então sob o ressoar da formação de manobra, que a manifestadamente absurda ocupação com riquezas intelectuais fosse nossa parte na luta para sobreviver, e que em nossos espaços verde-acizentados se adequavam bem os enquadramentos de Giotto de Assis e Pádua com a estilizada carência. Por que, eu me dizia, devíamos sempre novamente com isso nos deixarmos desviar, que nós ainda também nos privávamos, que nada nos custava mais do que o nosso pensar, apenas para reconhecer que estávamos de uma vez por todas sem recursos. E quase febril eu já deixava meu pai, em sua jaqueta verde, o ombro esquerdo levantado, a pisar fora de esquadro, quando na capela da arena se esboçava a vida de Joaquim, e minha mãe ajoelhava, em longas anáguas castanhas, igual a Anna, que através da parede algo seria anunciado, acima do assoalho, diante da armação de madeira que era a minha cama. Meus pais haviam sido expulsos desta moradia, também eu me afastaria dali, e poucos dias depois os operários tinham deixado, com seus dois filhos, o quarto ao lado da cozinha, para, com seus bens numa carreta, procurar um outro abrigo na forma de sublocação. Encontrava-se na cozinha nada mais que a mala desgastada que continha as minhas peças de roupa e alguns livros e cadernos de anotação, e, na parede, um cartaz desbotado e rasgado nos cantos, retratando sobre um fundo cinzento um trabalhador que rompia, com gestos poderosos, as suas próprias algemas. Ele devia ficar pendurado aqui, tal um último apelo, antes que seja removido, era necessário que algo de nossa vida passada aqui restasse, então as paredes eram logo devoradas por tremular e esfacelar, e o pensamento à mesa plana com os dois pequenos pães e as redondas bandejas de madeira com o peixe, acima o são Francisco, austera a faca levantada, que não se pode mais deter, comparado com estes afrescos seria junto a nós, porém, tudo a um trem através do pó e pedregulhos. Holofote irrompia com movimentos circulares através da fumaça e eram refletidos nas nuvens que flutuavam baixas. As esquadrias tinham se distanciado, o luminoso zumbir dos aviões de reconhecimento podia se ouvir, e dos alto-falantes de casas vizinhas, ou da Estação, chegava a voz de um locutor, de quando em quando com alguns reconhecíveis fragmentos de palavras, após o longo-estendido sinal de fim de alarme indicando o bem-sucedido exercício já concluído. De súbito funcionaram as lâmpadas lá do outro lado no saguão da Estação e lançavam longas faixas de luz e sombras sobre os trilhos, os êmbolos das agulhas, os trens que manobravam e passavam, em cujas tabuletas eram visíveis os nomes Stralsund, Rostock, Stettin. Vagões de carga eram manobrados nos ramais, aos apitos, oscilantes lanternas azuis pra lá e pra cá. Atrás de úmido-brilhantes arames e cercados da área da ferrovia, sobre os quarteirões da rua Acker, flamejava a placa de anúncio da fábrica de medidores da Companhia Geral de Eletricidade, e ficavam entre as massas escurecidas do parque ao redor do Hospital Lazarus e do cemitério na rua Liesen, envolta pelos vapores das locomotivas, a torre azul-cinzenta da Igreja de São Sebastião [Sankt Sebastian Kirche]. Trens urbanos e ônibus colocavam-se em movimento, as ruas laterais estavam novamente cheias de passos e de gritos, a lâmpada incandescente, que nua pendia no teto da cozinha, podia ser ligada, eu me sentava no assoalho, encostava-me na parede sob a janela, hoje à noite aqui ficaria estendido, coberto com jornais, e também eram vendidos os móveis, seria pago o aluguel, assim porém aconteceria a viagem então em alguns dias, e eu devia refletir profundamente sobre o atraso. Eu não sabia, naquele momento, o que ainda haveria de fazer, os formulários de cancelamento na delegacia de polícia ainda a preencher, o consulado tchecoeslovaco deveria ainda uma vez ser visitado, porém, ao contrário, nada me ocupava o pensamento, logo eu tinha a passagem, estendia-se antes um vazio tempo de espera, num quarto vazio. Talvez eu tivesse me compensado junto ao meu plano, ou, assim eu me perguntava, tivesse eu pretendido, antes da partida ainda precisar de uma longa reflexão, para recapitular os anos vividos neste país [a Alemanha]. Porém, agora era novamente claro que nada drástico se executava, que a data da viagem não se distinguia das datas seguintes, que o tempo era uma única continuidade indivisível, a pensar, a observar sempre como um todo, e quanto mais vasto um período ficava afastado do ponto-de-vista, tanto mais uniformizado se integravam em seu próprio antes e depois. Assim também tudo o que vinha depois era incluído nestas horas, e eu refletia num dia vinte e dois de setembro de mil novecentos e trinta-e-sete, uma quarta-feira, em alguns dias em Warnsdorf [cidade na fronteira alemã-tcheca], em algumas semanas na Espanha, em três ou quatro décadas em lugar desconhecido ainda, poderia ser identificado, além do cubo, onde eu me sentava no ângulo entre dois planos, a localizar os buracos dos pregos, as marcas das peças de mobília. Também isto pertencia à fuga, à evasão, que eu então, lá procurava, ao ordenar historicamente o dia vivido, não mais sabia sobre este, do que Masaryk, o presidente do país [Tchecoslováquia], o qual eu ouvia, desde a saída da pátria de meu pai na Eslováquia, ouvia então sepultado em Lány [vilarejo] próximo a Praga, e que, simultâneas aos exercícios de defesa aérea em Berlim, realizavam-se grandes manobras [militares] em Mecklenburg [norte da Alemanha]. Sempre eu tinha assim muito quanto possível desejado a partir dos acontecimentos, que influenciavam externamente os dias, e novamente era isso assim o que restava disso, o que se deixava perceber a partir das insuficientes colunas do jornal. Entre semelhantes simplificações monstruosas nós vivíamos, enquanto os pensamentos se moviam incessantemente num excesso, e quando era uma fuga, uma evasão, para nós expulsos de contextos não-compreensíveis, assim era isso por força das necessidades, afundávamos além da exaustão, tivéssemos um dia todo entre transmissões de notícias e comunicados de imprensa ainda não poderia dar-nos noção da situação. Porém quando nós nos adaptávamos a partir das informações, que nada correspondia aos acontecimentos, e procurávamos em nossa especialidade, particularidade, que não se deixava falsificar, em nosso pesquisar poderia ter livre curso, então éramos, porém, novamente coagidos a seguir as condições metódicas, que tínhamos procurado mesmo lá fora. A única possibilidade, a lidar com as condições da realidade cotidiana, ficava nisso, a conceder mais externada carestia a nossos passos e decisões. Os fatos em contraste com a nossa opinião de que todos os acontecimentos eram transparentes, esclarecíveis. A retirada desde a impotência, para entender os acontecimentos, deixava ficar o mundo com os antigos. Para o nosso progredir produziríamos para nós mesmos modelos em branco-e-preto, e na redução desde um pró-e-contra, um sim ou não, acertávamos em nossas decisões. O Partido [Comunista], que nós tínhamos escolhido e ao qual nos engajávamos, era uma determinada e estável noção, quando também ocorriam [do Partido] seus constantes deslocamentos. Nos momentos de insegurança encontrávamos com o absoluto de um ponto-de-vista político. Quando nós descobríamos a partir de divergências de opinião, as discórdias dentro da direção do Partido, então nos dizíamos que em sua base o Partido mantinha-se o mesmo. Permitia-se também muito dos quais, o que comparávamos os complexos com os nossos ou isso ou aquilo, ainda a não examinar as circunstâncias dele [o Partido], assim pretenderíamos fazer, lá éramos muitos, que usavam os mesmos critérios e asseguravam igualmente para o impulso, porém, a se provar alguma vez, dizíamos, como correto. Enquanto nós dávamos sentido à nossa atividade através da determinação de uma linha de frente, poderia isso vir para a produção de panfletos ilegais, a redireção de diretriz à célula [partidária], para o alojamento dos camaradas perseguidos, para a viagem rumo à Espanha. Na cozinha, observando fixamente, cuja pintura de parede, descascada e rachada até o teto, refletia a luz da lâmpada, lembrei-me do que Heilmann tinha dito sobre o filtro que ficava sobre os nossos sentidos e que nos deixava assimilar apenas o que nosso cérebro podia processar. Nós nos conformávamos com uma minúscula faixa do espectro [de luz], no qual nós unicamente entenderíamos o que precisávamos, e no qual a mais simples explicação seria sempre a verdadeira. Nós selecionávamos, ele tinha dito, a partir do que era desordenado a desabar sobre nós, o que se deixava adaptar na cadeia de nossas experiências. Tanto quanto, até onde isso tivesse sido evidente, as reações diferentes, porém, queriam com frequência se exercitar, se fazer valer, que o que tínhamos assimilado não podia ficar no âmbito de formulação de nosso entendimento. Mesmo na escola noturna, onde se colocava, de nossa parte, a exigência à expansão do saber, a levantar dúvidas se nós tínhamos mantido bem a noção efetiva no respectivo tema tratado. Para nós havia apenas uma fixada e delimitada área do pensamento. O que aos estudantes era comum, para nós era um fruto proibido. O rancor, enquanto força de impulso ao aprender, nunca fora para mim mais clara do que numa tarde no Museu Kaiser Frederico [Friedrich], numa discussão que ocorria após a visitação, lá um historiador de Arte, descobrindo que Coppi e eu éramos trabalhadores, em assombro evadia-se sobre os nossos conhecimentos e os ouvinte sempre se faziam atentos a nossa origem. À minha esquerda, no canto, encontrava-se a prateleira na parede com os livros, sobre o banco de dormir, também a mesa redonda, no meio da cozinha, eu tentava me situar, as cadeiras moldadas desiguais, a estante com a louça, a roupa para lavar, e desde o lado novamente infiltrava-se uma voz de rádio, agora com estridente nitidez, anunciando a lei de traição à pátria, que previa morte através do cutelo do carrasco para cada criatura desprezível, como se dizia, que através da espionagem e da sabotagem ganhava o imundo dinheiro de Judas. Havia um carro de bombeiro em Assis, na [cidade de] Francisco, puxado por dois cavalos rubros, a subirem do teto da delgada casa aninhada ao céu esverdeado, e eu não estava seguro, à vista daquelas gravuras, se a produção de uma ligação entre os monges agachados sonolentos em hábitos marrons e mim, que me deitava a rastejar, numa jaqueta de couro, se seria um sinal uma visão clara ou de uma ofuscação. Porém, então, minha atenção seria dirigida a um simples ranger no assoalho, e ao indício de um movimento no forro de linóleo. Lá, onde antes estivera a mesa, precisamente no reflexo da lâmpada, que se derramava em círculos de ondas idênticos, algo pressionava o assoalho contra a esteira, e enquanto esse era levantado arrebentava a farpa afiada, rasgava com ruído rangente o linóleo quase até aos meus pés, e eu me empurrava de costas até a parede onde acima até a janela, as mãos se amparavam nas tábuas, os ombros meio inclinados para fora. O que diante de mim acontecia, era obra de grande esforço, porém eu podia prestar nenhum auxílio, então no avanço eu estava paralisado, cada vez quando eu procurava estender os braços, eu apenas recuava novamente rumo a janela. Desde os primeiros estalos eu logo sabia que alguém lá estava enterrado, e enquanto as soltas tábuas quebradas se abriam, eu distinguia também de imediato e completamente a empoeira mão de meu pai, com as articulações inchadas, os robustos nós dos dedos, seu braço emergia da argamassa, sua face jazia ainda no reboque, que entre as pranchas estava tapado, eu queria ajudá-lo, porém eu me agarrava bem à janela, que descartaria de mim qualquer outra emoção. O quanto ele gostaria de parecer, eu pensava, após tão longo tempo debaixo do chão, por quase três anos, quanto esforço deve ter-lhe custado, até ele finalmente conseguir arrombar as tábuas pregadas e em seguida o aderido forro de linóleo. Eu imaginava a face dele, percebia isso com dificuldade, quando eu escorregava acima da tábua da janela e me suspendia lá no alto sobre a rua, porém, o que eu via não era a face dele, e eu procurava descobrir por que estes cinzentos torrões argilosos, com o nariz assim grosso e vulgar, os fundo-esmagados buracos dos olhos, o rude corte retalhado da boca, não queria se ajustar à face de meu pai, porém era o que lá jazia. Tratava-se da dificuldade, eu me dizia, algo a se apresentar, algo a se fazer compreensível. Enquanto eu me afastava [com nojo] com os pés sobre as bordas da janela e pairava fora sobre o fosso de trilhos, eu pensava nisso, como era estranho que sempre vivíamos com tanta certeza entre as coisas, como se elas fossem reais pelo que elas parecem. Eu poderia ainda, em resumo, perceber o triunfo, que se ligava a isso, que nós tínhamos nos unidos a uma realidade, com a qual acertamos este singular e ousado acordo, a designar e avaliar e incluir tudo em nossa consciência, porém então eu via, longe voando de volta, que isso de modo algum era correto, que o evidente e concreto era envolto em tumulto, em espreitar e sufocar, e de imediato se ficava a encontrar nomes e conceitos para murmurar. Lá eu tinha perdido a fala, deixava-se nada mais confirmar agora do que o fato com certeza devesse ter sido. Eu afundava longe do saber, o que estava lá embaixo rumo a Estação, era impossível relembrar todos os detalhes, como se erguera esta construção, eu sabia apenas que vira muitas vezes [a Estação], lá diante do simples e arredondado vestíbulo passavam coches e táxis, lá estava uma escadaria externa, um portal, lá os amarelos tijolos vitrificados, ornamentos mouriscos em arco e rosetas, lá estavam as salas dos balcões, barreiras, plataformas, amortecedores empurrados uns contra os outros, pessoas passavam pra lá e pra cá com malas, estava lá uma estrutura, que poderia ser uma estação, porém o indício, de onde estava a Estação, local de onde devia seguir a viagem, fazia falta, não de um tempo a se determinar de uma vez, peças de roupa, veículos tinham às vezes a aparência de serem de décadas anteriores. Assim simples e convincente a existência havia sido entre alternativas, constantemente levando a decisões, mostrando consequências a partir de causas, assim ligeira e naturalmente ela seguia também em sua condição de imponderável, apenas a sensação de que o que fazíamos era correto, que esta [a existência] não poderia ser diferente, ainda mantinha-se disponível em mim o senso para a orientação, volteando ao redor, pairando sobre o enegrecido teto de vidro da Estação, eu sabia que encontraria à minha direita uma rua ampla, e logo eu pairava mais baixo sobre um espesso grupo de árvores, ao longo da fachada de colunas de um museu, cheio de ossos pré-históricos, plantas fossilizadas e conchas, olhava na luz enevoada das salas, através das quais eu seguira com meu pai aos domingos, e novamente emergia de lugares de sepultamento, eu devia oscilar fora com os braços, para me levantar, para não ficar preso aos monumentos de pedra, e então, de novo num giro para a direita, eu deslizava pra lá sobre lugares de prática esportiva, com barreiras, caixas de areia, boias, e ficava sobre o cinza da pista de corrida, que formava uma compacta fileira, aqueles com roupas pretas, de braços dados, e eles tinham se disposto agora em movimento, lento ao extremo, estreitamente um ao outro enganchados, eles oscilavam em passo cadenciado desde o mais externo à direita que marcava o passo, em movimento de ponteiros de relógio sobre a eriçada e ressequida grama da campina, e movia-se algo diante deles, de membros, de corpos, eles impeliam presos diante de si pra cá, os amparados uns nos outros, um ao outro puxava e arrastava, então muitos eram feridos ou logo mortos, nenhum ruído deles se ouvia, e também no hospital, ao fim do campo, lá as tranquilas janelas iluminadas, lá ficavam, lacerados, ensanguentados, uns próximos aos outros, uns sobre outros, lá lançados ao chão, aqui e lá um soldado pisava sobre eles ao atravessar, golpeando sobre eles com uma vara de ferro, e ainda novamente virando-se à direita, adentrando num estreito desfiladeiro, inclinando quase até ao chão, eu me encontrava de volta ao quarto, no qual se juntava as fachadas das casas, ali onde eu morava. Eu havia sobrevoado alguns bairros, próximos os conhecidos, apenas difícil de reconhecer por causa de um pequeno enfraquecimento, ligeiro e imperceptível tal o fechar de uma pálpebra, raramente havia sido verificável a travessia de um nível a outro e eram, porém, totalmente diferentes uns dos outros os ordenamentos, as leis vigentes, e visto que também mantinha-se a rotina, que tudo nos afetava, que tudo é material, que nós todos somos entregues à vida e à morte, assim viria a ser o estranho o único possível, imediatamente carregado com todas as exigências e os perigos, não era imaginável um outro mundo que este cinzento, pesado, aqui tudo acontecia, as casas deviam ser assim pesarosas e apáticas, as ruas assim cheias de negrume, o céu assim baixo e ardente, algo diferente que este flutuar no ar, este tatear ao longo de paredes, estacas, calhas de telhados não era possível, não eram longe negadas as pilhas de mortos sobre o campo, pré-escavado pela finalmente lenta deslocante fileira de pernas metálicas, cujo mecanismo era ativado, e o hospital ficava lá, sem gemer e lamentar, assim também a maquinária se movia lá fora sem o mínimo chocalhar e tiquetaquear, e teria sido indescritível, onde, em qual rua, em qual cidade, em qual época, isto acontecia, e, porém, era cada acontecimento naturalmente, apenas assim, com os pés primeiramente, de novo de costas, através da janela, eu poderia retornar à cozinha, e era a mesma cozinha, que eu acabara de deixar, a cozinha na qual a lâmpada ardia sobre o assoalho , entre cujas tábuas rompidas jazia o meu pai. Eu gostaria apenas, eu lhe disse, agora capaz de me expressar, a assegurar o quanto isso parecia distante, se longínquo tudo havia se mantido o mesmo, visto que o que eu fazia na cozinha não podia ser verdade, e eu tinha me convencido disso ao olhar ao redor, que as ruas, as casas, as praças e os parques eram reais, como eles tinham de ser, e que por isso também nada na cozinha podia ser distorcido. E visto que agora cada dúvida havia desaparecido, podia aceitar os torrões de barro que lhe cobriam as feições do rosto. Meu pai se levantou. Seu eriçado cabelo curto estava cheio de restos de cal, seus lábios cheios de crostas, os buracos das narinas e os cílios tapados, ele se apoiava nos cotovelos, eu esperava o que aconteceria em seguida, que seus olhos se abrissem, que sua boca se movesse.







[pausa]








mais obre os Blockwarten [ou Blockleiter]
os guardas (ou líderes) de quarteirão no regime nazista
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LdeM