sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vol. 1 - bloco 2 ...




[pausa]




Nós nos situamos, disse Coppi, após o cruzamento das praças entre o Museu, a Catedral e o canal do Arsenal [Zeughauskanal], diante do imóvel vigia de uniforme cinza com capacete-de-aço junto ao monumento, nessas prisões ainda é lugar para os que marcham, que, querendo ou não, ficam no caminho, dilacerados, sangrados, sob as coroas com faixas de seda. Heilmann, sob a folhagem das tílias [Unter den Linden], apontou acima para as entronadas poltronas com pés-em-garra, aos batidos livros dos meditativos irmãos Humboldt, ao amplo pátio anterior, na Universidade [Humboldt Universität], a qual ele, se preparou antes e corretamente para obter o Abitur [certificado de estudos secundários], pois desejava dedicar-se ao curso de relações internacionais. Preparado, ele [Heilmann] dominava Inglês e Francês, e na escola noturna, onde nós o conhecemos, ele estava à procura de contatos para aulas do inconveniente idioma russo. O ensino noturno estatal, ponto de encontro para proletários e burgueses renegados [cidadãos não confiáveis], era nosso principal centro de educação, depois que Coppi, com dezesseis anos, abandonou a Escola-Ilha [Schulinsel] Scharfenberg [internato na ilha homônima no Lago Tegel] e depois eu mesmo, um ano mais tarde, pela última vez tinha viajado na barca da terra firme para a área de acampamento no Tegel [Tegelforst]. Aqui foi útil o curso básico sobre os romances de Dostoiévski e Turgueniev, a discutir a situação pré-revolucionária na Rússia, assim como disciplina nacional-econômica deu-nos instrução para as atuações com a economia planificada soviética. A Associação dos médicos socialistas bem como um estipêndio do Partido Comunista, a cuja organização jovem Coppi pertencia, visitamos a escola na ilha de Scharfenberg, na época uma instituição habilitada e prestigiada. Antes de todos, Hodann, médico municipal, Diretor da Secretaria de Saúde em Bezirk Reinickendorf, chefe do Instituto para pesquisas da sexualidade, havia sido, e quem haviam nos aceitado. Estávamos junto a ele nas sessões de perguntas abertas [Fragenabenden] no auditório Ernst Haeckel, onde tratava e atuava, até sua prisão e fuga no ano trinta e três, muitas vezes partilhou de discussões sobre Psicologia, Literatura e Política, regularmente ocorria a cada segunda semana em sua casa na rua Wiesener, em um loteamento em Tempelhof. Coppi era aprendiz ingresso a Siemens, e não conseguiu manter a frequência escolar após a chamada 'tomada de poder' [Machtergreifung] do regime nacional-socialista [nazista], e eu tinha conseguido um emprego como ajudante-de-almoxarifado na Alfa Laval, onde meu pai era chefe de seção de montagem de separatores [Separatoren, centrífugas para separar o creme do leite, invenção de Gustaf de Laval]. Aqui, numa baixa e alongada construção feita de tijolos expostos na rua Heidestraße, entre os terrenos do depósito Lehrter, com suas oficinas, armazéns, pavilhões de locomotivas e trens em manobras, e no tumulto dos barcos-de-carga no canal, que unia o porto Humboldt com o porto Norte, estava eu ocupado com o recebimento de parte do equipamento, que chegava de Hamburg, de Bergedorfer Eisenwerk, e vindo da matiz de Estocolmo, bem como as embalagens das pré-fabricadas centrífugas para as fábricas de laticínios. No fim de mil novecentos e trinta e quatro meus pais tinham decidido retornar para a Tchecoslováquia, o país ao qual pertenciam os nossos passaportes após o Tratado de Versalhes e Trianon, eu mesmo permanecia em meu local de trabalho, apto a continuar à noite o curso para o exame final. Depois da mudança de meus pais, eu tinha o quarto de nosso apartamento na rua Pflugstraße, na vizinhança de Wedding, já alugado para uma família, por isso eu dormia, como antes eu fazia, na cozinha, onde ressoava muito próximo, vindo lá de baixo, o incessante tilintar e apitar das locomotivas da estação Stettiner, a substituir os ruídos do meu trabalho lá em Moabit. Enquanto isso, já sendo montador auxiliar, na primavera de trinta e sete, eu fui demitido por causa de uma redução na empresa, e desde então encontrei-me à procura de uma oportunidade de trabalho, sempre em perigo de ser expulso, ou, em vista de inquérito, solicitar para mim a cidadania alemã, e precisar apresentar-me ao serviço militar, serviço que eu devia também à minha pátria, ainda este outono, pois eu devia aguardar uma ordem de recrutamento da embaixada tchecoslovaca, uma pátria para mim desconhecida. Mas findaram os cursos para a obtenção do Abitur, bem como os estudos em Medicina e Economia, aos quais eu tinha ao mesmo tempo dedicado, provisoriamente, então deviam agora pressionar as obrigações militares, assim eu teria uma missão para mim lá na Espanha. Assim para Coppi e muitos outros, assim faltava para mim uma carreira profissional mais estável no currículo, nossa missão principal percebemos na atividade política, e meu caminho levava-me para fora do país, no qual eu havia crescido. Coppi tinha encontrado seu caminho aqui, ele era um qualificado torneiro mecânico, depois de sua pena na prisão foi forçado, quando desempregado, a vender cadarços, jornais e sorvetes numa banca diante do cinema Moinho Vermelho [Rote Mühle] junto a Estação ferroviária [Bahnhof Halensee], e devia agora, sempre filiado ao ilegal Partido Comunista, juntar-se ao trabalho compulsório, num canteiro de obras de uma estrada fora de Spandaus. Para Heilmann a instrução ainda era regulada. Ele era, depois de seu pai, antes professor na Escola Superior Técnica em Dresden, havia assumido uma posição executiva na Secretaria municipal de Obras Públicas de Berlim, e ingressado na Escola Herder [Herderschule], e morava com os pais na rua Hölderlinstraße, na imediata vizinhança da praça, onde cuspismos, aquela chamada Praça da Chancelaria [Reichkanzlerplatz], quando diante do seu brasão. Não ao pensar nos desfiles da conquista, disse Heilmann, devia o cinzento guarda lá plantado, com joelhos arqueados, o fuzil da mão ao ombro, em pé diante do templo, antes a vigiar os arredores, pois nenhuma ordem de marchar foi dada, e somente deveria merecer a cova aqueles que faziam oposição à Tirania. Rondas, a seguir desvios, junto a multidão da rua Friedrichstraße para dentro dos arcos e bifurcações da passagem, após o panóptico e as vitrines dos pintores da corte, que depois do gosto do Chanceler a sufocante hipocrisia dos êxtases grão-alemães pintados na nudez de extasiados jovens, moças e moços, então na rua Georgestraße, ao longo do viaduto, no trovoar dos trens da estação urbana, de volta para Kupfergraben, acima da ponte ao Palácio Monbijou, nos jardins à margem, após o Chamisso [busto do poeta e botânico], com seu cabelo longo até os ombros, encima do vermelho pedestal de mármore, a Bolsa [de Valores] atrás e ultrapassando, dobrando para o Mercado Hackescher, até a rua Rosenthaler, esquina com Linienstraße, onde vivia a família Coppi no terceiro andar do segundo pátio, revelou-nos Heilmann, aqui e ali também já sugerindo a intenção de Hércules, tendo, desde muito tempo, num caderno de anotações a esboçada representação de uma sociedade futura, na qual foram aperfeiçoadas, após experiências de coerção, fraudes, humilhações e todo tipo de tortura, os ordenamentos habituais, as leis e tabus. Cada inquietação das autoridades, cada submissão, cada obedecer do trabalho, esteja aqui, disse ele, num fôlego, a confusão seja finda, em comum o melhor seja para cada um iguais, haveria voluntarismo e completo equilíbrio, não haveria mais qualquer status, posição social, nenhuma porta fechada, atrás das quais decisões secretadas fossem acertadas, tudo encontrasse então na opinião pública, sempre permitindo uma observação e controle. Aqui, onde cada manobra, cada ordem coletiva, nos quais os participantes deviam eles mesmos determinar e tudo o que criassem pertenceria a todos eles, onde cada qual poderia se educar sobre as próprias necessidades, e deveria a auto-consciência, o orgulho e a diversão tornar-se uma marca. Igual em forma, disse Coppi, aos pensamentos de Saint Just, Babeuf, Proudhon tomados em empréstimo, poderiam apenas conduzir ao Anarquismo, ao Caos. Teu Estado, que em si mesmo faz-se supérfluo, porque não precisaria mais apoiar uma classe dominante, e porque ninguém mais deve ser suprimido, bem lembrado quanto ao gênero, sobre o que Lenin teria dito, que sejam capazes de se desfazerem dos velhos trastes, questão ainda a cada fase preparatória, que tens deixado na obscuridade mística, e com algo de autoritário, quando a Revolução acontece. Se com armas tivessem os vencedores imposto suas vontades aos vencidos, ao espalhar o terror, ao reafirmar o poderio, e antes que se diga um declínio do Estado, antes seja a se formar um novo Estado, com as normas de uma nova vida coletiva, e então começariam os problemas cotidianos, diante dos quais qualquer teoria revela o quanto vale. .... ....


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[trad. LdeM]

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